sábado, 19 de abril de 2008

MARINHEIRO-SOL





Acostumado às viagens longas,
Daquelas em que,
Apontando-se com o dedo
Um horizonte sempre à frente
Jamais se toca o destino,
Capitão de curso comprido,
Usando camisa de mangas curtas,
Indo ora aos trópicos,
Encontrando mangas de todos os tipos,
Ora a climas mais temperados,
Com vinhas de todas as iras,
Com vinhos de todas as safras,
Dou, agora, de ré
E re-volto-me,
E volto-me, de ré, aos períodos curtos.

Porém, a cada linha,
Nesse cruzeiro emaranhado,
Como se atado a velhos hábitos,
Pelo continuado uso do cachimbo,
Quero alongá-la, puxá-la, esticá-la,
A cada repuxo que dou à mão,
Como se ela fosse um cavalo arredio,
Dizendo-lhe “contenha-se”,
Pondo-lhe, assim, um freio,
Freando tantas palavras desmedidas,
Intumescendo a língua
Que deságua na própria boca,
Quase a me fazer babar,
Quase a me fazer, de novo, menino,
Menino novo:e tão homem já sou!
Tanto assim que vou, asas cortadas,
Em jornadas compridas,
Já sem capitão a me ordenar
“é por aqui, é por ali”.
E, ai, que falta me faz!

Quem me dera uma voz de comando,
Um coro de soluções,
Uma sinfonia de êxitos.

Isso, no entanto, tão à perfeição,
Pode ser um sonho, mas não é vida,
Mesmo que seja a vida que se quer.
É só a fantasia de bem viver,
Acreditando-se assim
Que bom é mesmo viver sem os acasos,
Como se nos trópicos não se achassem temperos,
Como se não houvesse mangas, de qualquer tipo,
Em climas, naturalmente, bem temperados.

Viver assim, com todas as sortes já concertadas,
É fazer viagem só por viajar,
Sem mesmo pela escotilha olhar,
Conhecendo-se já os portos e os encalhes,
Fugindo-se destes, atracando-se com aqueles,
Num gesto de paz.

Se assim a vida fosse:
Que lições dela se poderiam tirar?
Portanto, pouco dado a revoluções,
Contrariando o próprio curso da minha mão,
Se o desejo insiste no comprimento da linha,
Dou-lhe, curto e grosso,
Gentil ao máximo,
Sem excesso de delicadeza, no entanto,
Curta expressão,
Quase a torná-la um quase-nada,
E o desejo, quase-tudo.

Quase, porém,
Quando de mim mesmo é que se trata,
Quando trato é mesmo de mim,
Não é nada, não é tudo,
Sendo só o meio-termo,
Esse vício dos desequilibrados,
Tirania à qual se atam os pendentes,
Crendo-se livres,
Escravos do bom-senso.

Bom, senso, como se vê, não é meu forte:
Minha fortaleza é o exagero (de linhas)
Que me faz ser longo, capitão,
Em caminhos curtos, contra a mão,
E quase infinito, se a viagem longa já é.

Minha fraqueza é acreditar que posso,
Palavra a palavra,
Linha a linha,
Viagem a viagem,
Expressar, da lembrança, tudo.

E o resultado disso, não raro,
Se não é nada,
Que isso já seria um semitudo,
E quase: mas, quase o quê?
É quase lembrar sem esquecer.
É quase esquecer, de vez, de uma por todas,
De não mais lembrar.
Fim da linha: boa viagem...
Vida a fora!

CHICO VIVAS

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