sexta-feira, 1 de agosto de 2008

INVIOLÁVEL



Calei.

Emudeci.

Fechei-me em mim.

Vesti roupa apertada.

Casei todos os botões.

Levantei a gola.

Desci a bainha.

Apertei o cinto.

Entrei numa caixa

e ela foi lacrada.





A caixa, mandei pôr num tonel,

que foi tampado,

que foi vedado.



O tonel, ordenei

que um barco levasse;

e ao mar,

nada mais pude ordenar.

Mesmo assim,

o barco chegou ao seu lugar:

uma montanha isolada,

com uma gruta estreita,

do diâmetro do tonel.



Empurraram-no para dentro

e, com pedras por fora,

separei-me do mundo.



O coração que, apaixonado, batia, dentro da roupa,

dentro da caixa,

fechada num tonel,

escondido num extinto vulcão,

batia alto.



Reverberava na minha nudez,

no meu silêncio sepulcral;

agigantava-se em seu soar;

e tão forte já ficava,

que o soar de trovões

era como um coração...

que apenas bate...

sem paixão.



Não suportei: ensurdeci.

E ao não mais ouvir

o meu coração tilintar,

duvidei de mim.

Naquele ermo em que me meti,

nada mais vi

e duvidei de mim.

A falta de ar tirou-me o olfato

e duvidei de mim,

Minha boca seca

gosto nenhum sentia

e duvidei ainda mais.

E como ninguém me tocava,

descri de tudo.



Em nenhum momento, porém,

deixei de acreditar, de coração,

naquela minha paixão.

E na cabeça já quase vazia,

um pequeno ruído resistia,

como um coração a bater:

e quanto mais eu pensava,

mais seu som aumentava

até beirar o insuportável.





Quis romper os meus invólucros:

quis sair da montanha,

sair do barco,

sair do tonel,

sair da caixa

sair da roupa apertada -

sem cinto,

sem bainha,

sem gota,

sem botões -,

quis sair de mim.

Mas, temi que, de volta à vida,

meu peito,

mesmo cheio de paixão,

não me fizesse ouvir mais nada:

e então...

e iria duvidar de quê?






CHICO VIVAS

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