quarta-feira, 2 de julho de 2008

SUEÑOS



Uma gola rendada, espanhola,
A Velásquez ou a outro pintor,
Emoldurava o rosto pálido, lascivo,
De boca vermelha como sangue
E não era romã, era pele louçã,
Tez de louça, porcelana sã.

Olhos lhe rasgavam como se fora
Um vidro trincado em simetria.

Se arrancasse a gola gomada,
Nada na face me despertaria:
Nem olhos gateados, quando abertos,
Nem boca mordida, quando fechada,
Nem a cútis macia, quando seca
E não menos suave, se molhada.

Se Velásquez fosse, no máximo,
Nome antigo e herdado
De um imigrante espanhol
Que espalhara seu nome próprio sem critério
Numa longa descendência bastarda,
Nada me diria aquela gola,
A não ser do desconforto da moda,
E nem roubaria minha atenção
A doentia palidez
Num contraste de dor
Com a boca encarnada.

Se jamais encostasse meu rosto
A um outro, seco ou molhado,
Nada disso me faria pensar
Em uma gola enfeitada
A me remeter, sem hesitar,
Para rendas mais íntimas.

Pobre como sou, não viajo a “espanhas”,
Não visito exposições de “graças”
Nem compro livro de “artes”.
Assim, pobre de imaginação como sou,
Para mim, uma boca só isso é,
Qualquer tom que ela tenha.
Uma pele jovem ou enrugada
É macia ou de áspera sutileza.
Olhos quase nuncavejo
-se nem viajo!-,
Pois fecho os meus, trincados,
Trancado eu neles como estou,
Trancadas neles como estão
As lembranças, as saudades,
As memórias, as recordações
De antigas aulas de pintura:
De nobres, de reis e cortesãos...
E de um homem, quem sabe,
Com um pincel numa das mãos
A pintar infanta e anões.


CHICO VIVAS

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