terça-feira, 1 de dezembro de 2009

CARREGANDO PEDRAS




Trocando-me, pelo cansaço, por ti,
abandono a primeira pessoa
em troca de ser, descansado,
agora a segunda;
e mesmo que assim,
pela proximidade das segundas pessoas,
tenha direito a “vós”,
o que, de verdade, cala em mim,
nessa troca dada assim,
aparentemente gratuita,
é o desejo.

Desejo cansa,
quando o desejar não avança
e permanece insatisfeito,
tal qual uma mimada criança
que não se contenta com nada,
a menos que o tal desejo
seja mesmo o de jamais se contentar.

Mas vai que te cansas de mim,
cansado já de desdobrar-te
para satisfazeres meu desejo
de em ti descansar,
porque também hás de ter
os teus próprios desejos,
e que,
talvez por ironia,
ou apenas talvez,
porque os desejos são muito iguais,
um deles,
ainda insatisfeito,
seja o de descansares de ti mesmo.

E eu, por cuidar somente
do passeio da minha língua
pelo cardápio que me ofereces
(gratuitamente?),
posso não ter percebido que,
desejando abandonar o barco,
pulando mesmo fora do teu próprio corpo,
queiras descansar em mim,
num encontro de língua,
num recanto da boca,
visitando ambos o mesmo prato:
de doces,
de salgados,
sendo que o verdadeiro prato-cheio
não são uns, por mais doces,
nem outros, mesmo que não salgados demais,
mas sim todos aqueles tons,
sutilezas que até já conhecemos,
cujos nomes sabemos de cor,
mas que fingimos todos eles esquecer
só para calarmos a boca,
e nela, entreaberta, calar
os gostos que reinventamos.
Olhar (só) nosso próprio desejo,
Cansa.

Olhar o dos outros, cansa também,
se não estiver nesse olhar
o próprio desejo.
Se cada qual descansa suas insatisfações
no outro que também se cansa,
quando, então, nos encontraremos?


CHICO VIVAS

domingo, 1 de novembro de 2009

E MAIS NÃO DIGO



Que tenho eu a ver com isso,
Com isso de asas vermelhas coradas,
Com isso de penas brancas imaculadas,
Se não tenho fogo,
Se não acendo cigarro,
Se não choro lágrimas de sangue
E nem uso metáforas
Para cuspir, escarrar, ferir ou curar?
Se sou de mim mesmo a duplicata vencida
De um espelho que espelha o nada,
Tanto quanto não nado nada,
Nadinha de nada?

Que quero eu com isso de vida,
Da vida de agora, da vida de depois
De agorinha mesmo,
Para um depois sem nexo num dicionário frouxo
Cujas páginas amarradas a nós
Desprendem-se da brochura sem terem para onde ir?
E eu fico a pensar que posso ser
O gari feliz de ruas imundas
Carregadas de páginas soltas a rodar ao vento,
Recolhendo-as eu com olhos de amante,
Amantes de palavra(s) que diz(em) mas não prova(m)
O negar quando se quer, o querer quando se nega,
O querer negar para devolver
A prova amarga e multiplicada.

Fujo de mim e corro adiante.
Diante de mim, porta-se sempre sentado
Um demônio sem a minha cara,
Um anjo com minha dor:
E a qual dos dois primeiro me dou?
Ao dito cujo em pé e diminuído
No seu valor de sacerdote
De ritos rubros, de peito desnudo
Ou ao anjo sentado sobre almofadas lisas,
De seda que com sua pele se assemelha,
Pele sem dor, sem marca, sem cor?

Se me entrego ao primeiro que passa
E me apresento mostrando otimista
As primeiras linhas que aqui eu próprio escrevi,
Ele há de me repelir com mãos agitadas,
Sem entender o que eu quero dizer,
E eu sem saber por que sou negado,
Se me mostro com derradeira esperança.
Com as últimas palavras que aqui sei lá,
As derradeiras que aqui se lerá,
Me olhará perplexo como um louco,
Louco ele de raiva de mim,
Louco eu por exibir assim
Um papel que antecipa
O que nem mesmo eu ainda sei.
E se olho para o lado, um tridente afiado
Que retira dos meus dentes as lascas de carne,
Que costura na minha carne as marcas dos dentes;
Três dentes como uma flauta doce
Que se crava em meu peito que abusou da razão
E mais uma vez repete sua intenção
De aceitar o feitiço da música amena
E dar o braço ao anjo e ir para o alto,
E quando no alto dos píncaros fincado
Do firmamento instável de cansados imóveis,
Não mais sentir ao olhar para baixo
O medo de toda a vida de lugares sem base,
Desejarei então morrer de afeto falso
Pelo outro que deixei caído,
Esperando que eu o olhasse,
Sem sentir tanto temor:
Que valor afinal pode haver
Em subir por subir,
Sem a expectativa de descer,
Mesmo sem isso querer?

Me rouba, grito.
Me toma, clamo.
Me arranque, digo.
Me faça seu, afirmo.
Me devolva o medo, suspiro...
E já lá está ao meu lado,
E só de olhar tremo-me todo
E nem posso mais olhar o que há
De tão distante embaixo dos meus pés,
Que só de pensar rasgo-me de pavor.
Mas se for envolvido com braços fortes,
Sentindo-me quente antes de ao inferno chegar,
Compadeço-me dos olhos úmidos do anjo
Que me largou atendendo-me a mim,
Ao meu pedido de ir-me dali
Para um bem baixo, sem pressentir
-ou para o mais aquém do mais além-,
Será tanto o medo da altura que me separa
Do mínimo chão de uma pouca firmeza,
Que, sem falar, rogarei
Que me roube, que me tome,
Que me leve, que me arranque,
Que me faça seu,
Que me devolva a indecisão
De achar belo o efeito trágico
De uma lança em fogo tocando o corpo
E de achar comigo o efeito singelo
De uma doce música que me adormece,
Se alimentar de sonhos arrojados a noite densa
E se me acordar com olhos púberes.

Se vivi até aqui sem dizer sim, sem dizer não,
Posso sim viver até lá,
Dizendo assim a um, a outro dizendo não,
Iluminando com vela branca um,
Mas dizendo sim ao outro:
E deixo-os me disputarem,
Estapeando-se com recíprocas imputações
De golpes baixos, com palavras sem calão,
Até me entediar com tanto contender.

O tempo passou para mim
E eles ainda a brigarem.
Agora, sou só o nome esquecido em memórias amigas,
Amigas demais para me convencerem,
Amigas demais para que eu caia na sedução do contrário.
Mas sabem ainda de cor o nome que eu dei
À dor que me faz dizer o que nem sei,
Porque tudo isso é invenção
De uma mente confusa,
De um demente sensato,
De um lúcido fotofóbico,
De um homem -e isso é quase dizer tudo-
Que não sabe mais o que dizer.


CHICO VIVAS

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

POLÍCIA MONTADA





Monto guarda,
À espera da rainha.

Que venha sua majestade!
arrastando seu manto.

Minto!
Ele não se desfia,
nesse desfilo roído,
por mais que seja arrastado,
por mais que há tanto
se venha arrastando essa rainha,
num jogo de salão,
cercada de damas,
em que o tabuleiro é o tempo
e as peças
-bispos, cavalos, peões,
principalmente os peões,
que estes sabem montar-
são acessórios de uma moda que,
contrariando sua própria natureza,
não passa.

Enquanto, passo a passo,
tudo isso se arrasta,
monto guarda,
à espera de um cetro sem centro,
com certas inclinações pendentes,
besuntado de graxa insípida,
inodora,
que inocula...
simplesmente inocula,
freando assim, se o tem,
o caráter do verbo,
transitivamente direto.

E enquanto o cetro não se mostra
num mastro que os ares beijam,
que mal a água salga,
que sustenta velas em sua nudez de pau,
a pique...e corra,
a pique...e nique,
a pique...e paque,
eu monto guarda.

E não me perguntes: coroa?
Não saberia o que responder: menino?
A explicação é que:
que sei eu desse jogo,
que sei de xadrez,
senão de montar guarda?
E tabuleiro, para mim,
são docinhos em quadrados.

E não me perguntes: quadrado?
Eu?
Que sei eu de moda,
se sou tão passageiros?

E já imagino
que isso passe,
que não passe de moda
montar guarda.
E sendo assim,
manto de inverdades,
cetro cravejado de espinhos brilhantes
-e que picam, que espicaçam-
coroa que mal dá tempo,
que desculpa terei
para continuar na espera,
sentinela,
na guarita, querendo,
montar guarda?

Abaixo a república!
Viva a monarquia!
Viva o reino da montagem!

E quando não houver mais guardas a se montar,
todos saberão que menti.


CHICO VIVAS

terça-feira, 1 de setembro de 2009

ALONGAMENTO


A VIDA VAI SE AUTO-EXPLICANDO.

E QUERENDO TERMINAR LOGO A LIÇÃO,
TODO O CORPO SE DOBRA
EM SUA RIGIDEZ SEM SOLUÇÃO...
E FIM.

ENQUANTO HOUVER O QUE EXPLICAR,
GARANTIDA ESTÁ
A FLEXIBILIDADE DOS CORPOS,
TIRADA À RIGIDEZ COM QUE MASCARA
AS DOBRADURAS DE QUEM NÃO ESTÁ MORTO...
NEM NADA.

ÀS VEZES SOBRAM AINDA LIÇÕES,
QUANDO O ALUNO JÁ SE DOBROU
A TODAS AS POSSIBILIDADES
DE ENCONTRAR NOVAS SOLUÇÕES,
E NÃO AS ENCONTROU,
SEM SABER QUE A VIDA É AUTO-EXPLICATIVA...
E FIM.

SÓ QUANDO TUDO ESTIVER,
TINTIM POR TINTIM,
SEM UM ÚLTIMO BRINDE SEQUER,
MUITO BEM ENTENDIDO,
É QUE É O FIM.

NÃO HÁ VIDA QUE ESCAPE
DE SUA AUTOEXPLICAÇÃO;
QUE, QUANDO TUDO FOR COMPREENDIDO,
AINDA INCORRA EM ANIMAÇÃO
PARA DOBRADURAS, ORIGAMES,
PARA RIGIDEZ POR ENFADO,
PARA CORPO MOLE SEM OBRIGAÇÃO.

SE TUDO BEM DITO ESTÁ,
MALDIÇÃO!...
INCLUINDO NO TUDO O TODO MALDITO,
NÃO HÁ MAIS BEM, NEM MAL NÃO MAIS HÁ.

SOBRA APENAS UM CORPO ESTENDIDO,
DIFÍCIL ATÉ DE DOBRAR.

A MORTE, PORÉM, É DISSIMULADA
E PODE SE ACHAR, MESMO SE DOBRADA,
SOBRE UMA EXPLICAÇÃO INERTE.

QUANDO ME CURVO SOBRE TEU CORPO: VIVO!,
DOBRANDO-ME A MAIS NÃO PODER,
E O TEU, PODENDO DOBRAR-SE,
RÍGIDO, PARECE MORRER,
ANTES MESMO DE SE AUTO-EXPLICAR:
EIS O FIM...

E O FIM ÀS VEZES SOBREVÉM
SEM QUALQUER EXPLICAÇÃO,
QUANDO A ESQUINA JÁ SE DOBROU,
AINDA QUERENDO ENTENDER
POR QUE DEPOIS DE TUDO ACABADO,
AINDA VIDA, UM TINTIM, SOBROU:
CADÊ DISSO TUDO A RAZÃO?


CHICO VIVAS

sábado, 1 de agosto de 2009

SURDO-MUDO




Se cochichas ao meu ouvido,
eu me derramo no teu ombro;
se me tomas de frente,
eu, por meu lado, te assombro;
se sopras um cálido hálito na minha nuca,
eu nunca mais deixo de ser vento;
se deixas-me e cruzas teus braços,
desembaraçando-te de mim,
vingo-me com nós,
aperto o cinto,
mas não vou.


Voo(-me) embora de mim,
mas não saio de perto de ti.
Se comunicas à minha boca
uma boa notícia com a tua,
eu não ouço
porque minha língua invertebrada
adormece a esse teu falar,
e se a mordo, não a sinto,
se ferida, não assento,
se sentir, não sou santo,
e isso não assenta em mim,
se, no entanto, for eu a despejar,
do meu idioma direto no teu
as notícias, boas ou más,
e sentir tua língua dormente,
passo por cima como um tanque,
bem devagar, de vagão,
para nunca mais parar,
para sempre sofreres muito.


Se me dizes que me amas,
com olhos em sincera expressão,
se me olhas como chama
a incendiar a razão,
se me ouves com tranquilidade
como a beberes meus monossílabos,
como se fossem de longa duração,
e ainda falas com decisão,
quando em mim rugem dúvidas,
se me abraças,
se me tomas,
se me queres,
então digo-te: não!


Porque no papel posso mentir,
mas na realidade, ficção.



CHICO VIVAS

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O QUE É O QUE É?




Em bandas sonoras
Ou em bandos de dois,
Surgem ao acaso
Essas aves de repente,
De rapina, rapaces,
Unhas longas, afiadas,
Ou curtas quase rentes
À carne sangrando.

Procuram cantos.
E se esquinas não há,
Escondem-se em si
Ou exibem-se, insurgentes, por aí,
Contra toda gente,
Sem qualquer discrição.

Se se as descrevem,
São tantos os detalhes em jogo,
Que não se apanha o conjunto,
Mas mesmo assim,
Há sempre que queira lhes bater:
São instrumentos de sopro
Que na boca não cabe mais;
E são cordas de metal
Que não ornam o pescoço;
São surdos, apesar da algazarra;
São bumbos, com todo rebolado;
São tambores nessa tribo.
Uma melodia infernal,
No que o inferno tem
De muito bem orquestrado.

Não há céu que lhes baste.
O paraíso dessas aves é a noite
Vivida todos os dias:
É um encontro, uma busca.
Dispersam-se, despedem-se,
Despedaçam-se, desgraçam-se,
Degeneram, desejam,
E quanto há para dizer,
Mas muito mais para calar,
Que a vida de cada um
Sabe já o que ela (lhe) é.
E é curta para o longevo,
E é longa demais para quem
Tenta contar essa vida
Em quatro letrinhas fatais.

Que sejam muitos, sejam poucos!
Que seja muita ou pouco seja!
Morrer a cada momento
É a função primordial de toda vida,
A vida toda.
Morrer a cada desejo
É viver cada momento.
E se de um momento para outro morrer,
Foi só o último desejo desta vida.
E pronto!



CHICO VIVAS

segunda-feira, 1 de junho de 2009

SOSLAIO




Olho de lado à minha frente
Outros olhos que não te olham,
E eu sei disso porque
Sigo-os:
Os teus que a eles vão,
Eles que aos teus não dão
A contrapartida necessária,
Inteira margarida,
Meu bem, meu querer,
E nesse teu saber dos meus,
Dos meus olhos que deixam os teus
E seguem o caminho que eles fazem
Até aportarem naqueles outros
Que não te veem,
Eu, tendo tudo à vista,
Sem poder sequer desfolhar
A flor já de pétalas careca,
Nesse teu querer não me querer,
Quero tanto os teus,
E vejo aqueles de lado
Não se virarem para a frente,
Para tua frente,
Onde eu queria estar,
E tanto que quase chego a querer
Os teus a outros olhos atar,
Mesmo que assim me deixes
Definitivamente de lado,
Por mais que me ponha à frente dos teus,
Ou mais até:
Daqueles que segues,
Porque os teus podem se fechar
Simplesmente para não me veres.

Mas quero ver se eu me puser
À frente daqueles
Para os quais olhas de lado:
Será que não me verias
Ou apenas da frente me tirarias
Como se arrancasses sorridente
A última pétala da flor
A que todos chamam de bem-querer.
E quando então falas assim,
Por um momento eu vejo
Tua mão tão perto de mim,
E tomo-me por teu bem,
Tomando-te por esse meu querer,
Quanto tudo o que queres é desnudar a flor,
Arrancando-me da tua frente.
E eu agora de lado,
Veria os teus olhos e aqueles outros,
E então...

Os olhos para os quais olhas
Vão-se embora,
Deixando-te de lado,
Justamente à minha frente,
Meu bem,
Desfolhado.


CHICO VIVAS

sexta-feira, 1 de maio de 2009

DOCE-PALAVRA



Uma concha na mão,
O caldo ao lado;
Na lateral, a contramão.
Não tendo, à vista, nenhuma caldeira
Nem fumaça em profusão:
E o que importa o continente,
Se, ilha, há caldo tão à mão?
Se brilha caldeirão?
Sibila adivinhação?
Então,
Se tudo isso à mão,
Se, ao lado, aquilo,
Qual a conclusão
Que se pode tirar,
Como concha metida nessa investigação?

Derrama-se o caldo
Porque, aqui, a lógica
Não é bem-vinda não.
E por que ela meteria
(como é metida essa lógica!)
Sua colher nesse caldo,
Derramando o já confirmado,
Mas que, nem por isso,
Isso de (se) derramar,
Não anda ao contrário,
Desfazendo assim a confusão?

Como num transe de passagem,
Num transporte, o caldeirão,
Cedendo aos movimentos do tempo,
Deixa cair pela bordas
Tanto do seu caldo,
Que a mão tenta repor no continente.
Porém, quente o conteúdo,
Retrai-se a mão,
Traindo nesse ímpeto
Uma improvisada decisão.

Se pensasse, a concha
Seria uma solução
Para não queimar a mão,
Porque, derramado o caldo,
Melhor é apará-lo embaixo,
Com um prato em posição,
Fazendo deste um novo continente.

Terra à vista, cisco nos olhos,
E eu metendo colher inapropriada
Nesse conteúdo desfigurado,
Nítidas palavras já apagadas!






quarta-feira, 1 de abril de 2009

OUVIDOS DE MERCADOR PARA UMA CARAVANA QUE NUNCA VAI PASSR

Não ouvi você chamar.

Sei,

Você não me chamou.

Mas eu insisto:

Não ouvi você chamar.

 

Não,

Você não pode ter-me ouvido

Porque permaneço

Em silêncio total,

Esperando você chamar

E não quero

Que qualquer ruído

Chame mais minha atenção

Para nada que não seja

Tudo o que desejo:

E que é ouvir você me chamar.

 

Ainda insisto!

Não há absinto nem olhar triste,

Não somos poetas, como chamar,

Nem aqueles que fazem poesia

-como se chamam?-

e a fazem sem chamar.

Não há solidão nem lágrima recolhida,

Não somos acrobatas, como chamar,

Nem os que fazem piruetas com o risco

-como os chamar?-

sem chamar.

 

Não ha mais o que não-ser,

Nem somos poetas, como chamam,

Nem aqueles que não-são,

Sem chamar.

 

Continuo sem barulho fazer,

Esperando por você me chamar:

Eis aí todo o barulho que quero escutar.

 

Por que,

Então,

Em vez de não ouvir você me chamar,

Não te chamo eu

-será que vais me escutar?

 

Você!

Você que fala sem (me) chamar,

Você que cala sem (me) chamar

E vive até sem chamar,

Fazendo com que

A minha vida seja

A eterna espera

Do teu chamar.

E você é só a tortura,

Sem chamar,

Sem instrumentos medonhos

Sem interrogatórios,

Sem chamar.

Você me tortura calando

O teu chamar

E deixando para mim

A dor de escutar,

A todo instante,

Em todo e qualquer lugar,

Você (me) chamando,

Sem jamais me amar.

 
CHICO VIVAS

domingo, 1 de março de 2009

TOBOGÃ

 

 

 

De(s)cida!

 

Mas, isso não é uma exortação,

Supondo, a vir,

Uma encruzilhada,

Carregada dos mistérios da hesitação.

 

Se digo: descida!,

É porque abaixada mão.

De(s)cendo!...

Mas, isso não é prenúncio

De canhoto desenho de minha mão,

De uma árvore de gerações.

 

Se digo: descendo!,

É porque não é descida a mão,

É ainda indecisão

Sobre se se deve descê-la

Ou, sem obrigação,

Se se deve apenas, descendo,

Jamais alcançar o coração,

Que por aí para, se,

Crendo-se que já se chegou ao ponto,

Quando, vírgula a vírgula,

Há coração ao longo de todo o corpo,

Mesmo naqueles sem muita extensão,

Quase a se confundir, esse corpo,

Com o espaço estrito do coração,

Com a vantagem de que,

Se no coração real,

Se poético, de todo, ele não for,

Há batidas

- perigo nos cruzamentos -,

Nos outros, toques diversos

E ais tão variados,

Quanto os sons de campanhia:

E quem dela só conhece um dim-dom,

Só sabe do corpo um tic-tac,

E do coração, repetido baticum.

 

Então, está decidido!

Não se desde, em definitivo:

Descendo sempre estará a mão;

E se essa eternidade terminar,

que suba,

Que se encontre um meio,

E se encontrando a metade,

Que nem precisa se ajustar

A outra parte, com rigorosa exatidão,

Junte-se-as:

Se colar, colou;

Se não grudar, cole-se ainda mais;

Se incomodar, desista não!;

Se só for conforto, que não se incomode

Com essas partes concertadas,

Porque a orquestra que toca

É mais do que o arco no violino,

Mesmo que as haja,

orquestras que são,

 só de cordas.

 

Porém, há-de se chegar a um ponto

Do qual não se quererá mais sair,

Nem subir, mesmo que, sim,

Que isso signifique entrar no coração,

Nem descer, mesmo que

Abaixar-se seja a solução.

 

Se se chegar a esse ponto,

Não haverá volta,

Mas há verso,

O que pressupõe o anverso,

E se for um cubo,

Seis faces de fora,

Meia-dúzia adentro.

 

Com que cara digo tudo isso!

 

Logo eu, tão quadrado,

Com uma única face

E um verso improvisado,

Já que quatro são só os lados

De uma mesma moeda.

 

Quando descia, descendência,

Ou será (in)decência, quando abaixava?

Ao subir, subida experiência,

Sempre o coração por lá,

Ou será mera ambivalência?

Alto e baixo são somente

Os extremos a que chegamos

Para atingirmos um meio:

E mesmo sabendo que há

Fora dele um mundo inteiro

De face de versos a se pesquisar,

Quem aí ficar

Como se um porto – já não parto,

Como se asas – já não voo,

Como se pés – já não mãos,

Como se todo coração

Fosse esse ponto mediano

Que não sendo tão alto,

Que não sendo assim tão baixo,

É a profundidade em pessoa.

 

Ter chegado a este ponto

Foi um êxito?

Hesito em dizê-lo:

Eis mais uma das minhas indecisões.

 

CHICO VIVAS

domingo, 1 de fevereiro de 2009

CANTAROLAR

MySpace Comment




Lá...será?
E aqui...é ser?
Laçará!
Lá serei.
Anelei.
Anel é lei.
Anelará lá-rá.
Uma canção lançarei,
tendo como refrão
não um lá-rá-lá-rá
convencional,
mas um será
que não será
que serei
ou um serei
que lá será,
ou mesmo cá
– tomara que em todo lugar –
como um laço,
uma armadilha
para as línguas
que não mais esquecerão
o dito refrão.

Eis aí o sucesso
que sempre anelei,
como um anel
de ouro de lei
que do dedo,
que do anular,
jamais retirarei,
como se casado,
larari-larará
será?

Será que aqui eu serei
casado
ou será
que aquiescerei
em só ter o anel
sem compromisso,
a não ser-serei
com a fama que me traga,
trá-lá-lá,
o sucesso do refrão
que lançarei
lá,
onde for,
e cá,
onde isso será?

Laço,
mirando o sol.
E laçarei.
E laço o sol
como se fisgasse um anel,
confundindo, tolo,
com ouro
o que é só armadilha,
e que se puser no dedo,
arderá,
arderei,
faltar-me-á ar,
e quem me o dará?
em quem me mudarei?
e, mudo, com hei
se suportar,
trá-lá-lá,
o refrão da canção,
esse laço do lá...serei?

Assim, com dedo assado,
com sol no dedo,
no todo cozido,
sem ouro, seu tolo,
que sucesso serei?
a não ser – serei? –
que que-será
seja lançado como meu,
lá, onde ninguém saiba
das minhas armações,
e também cá,
que sucesso tenho de fazer
tanto aqui como acolá, lá-lá
e em tudo lugar,
como sempre anelei,
até fugindo à regra,
contrariando a lei,
pondo o anel indicado
no indicador,
deixando meu anular
a ver navios.

E tanto quero a fama má-má.
E quero mamar, pá-pá.
Quero fama das boas
e quero, na boa, também a má,
desde que eu possa mamar,
como se tivesse uma Fafá
à minha inteira disposição,
sem precisar laçar,
sem sair do lugar,
lugar que é meu,
se não por direito,
se não por lei,
porque, enfim, o anelei,
e isso (me) basta.

Besta sou, se penso,
mesmo que besta não possa pensar
e apenas mame por mamar,
que um refrão achado
e repetido a mil
(serei vil?)
logo se converterá
num sucesso capaz
de me dar, no mínimo,
o que sempre anelei:
anular,
sem ter de pagar
nada do que desejei.

E tudo o que desejei
nada mais é do que
até aqui disse anelar.

Não quero anel.
Não quero me casar.
Quero só ter o poder,
dentro da lei,
lá e cá, onde estarei,
de não esquecer
o que significa
não deixar de lembrar,
como um insistente refrão,
sem mais lá-rá-lá-rá,
caindo num laço de verdade,
na armadilha do sonhar.

Mas, lembrar (lá-lá) o quê?
O que será
lá...será ou laçará?

Não importa,
contanto que esse lá-rá-lá-rá,
como um lá-ri-lê-rê qualquer,
leve-me da qui,
de onde estou, estiver,
para lá, trá-lá-lá,
onde estejas já-já,
onde estiveres ainda,
porque o tempo, quando já,
é presente na certa;
quando ainda,
é só capacidade de lembrar.

CHICO VIVAS

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

GI BEE

 
Tiro.
Enfio.
Tiro Henfil.
E não retiro mais,
 Ao contrário até, Eu re-tiro,
 Sem, no entanto,
 Me ausentar.
Refil Sem me trocar,
 Sem me tocar.
 Enfio E tiro,
Henfil
E tiro Como num quadrinho: Bum!
 Filho-da-mão,
 Hem, fio!
Toma tua linha, fio
 Ou então Eu te enfio
 Na cara, Capadócio,
Um tapa,
A sangue-frio.
Tiro,
Enfio.
E já ninguém me olha,
 Tomando-me por atirador,
Sem me tomar Por profissional enfiador,
 Sequer um amador.
E eu esfrio,
Mesmo sentindo
 Ainda ter
 Tanta bala na agulha,
 Tantos cabelos no pente,
Tanta linha de costura,
 Tanto fio, hem, mão!
E se tiro tanto,
E se enfio muito,
É para que,
De tanto tiro,
Me enfiem,
Nalgum lugar,
Fora do meu próprio espaço,
 Onde eu possa,
Vindo isso mesmo a calhar,
Depois de tantos pores,
Ver um sol nascer,
Quadradinho,
Como (n)um quadrinho,
Um minúsculo,
Como se pintado,
 A dedo,
Na unha,
Bem rente à carne,
 Com a mestria de quem,
 Já posto o sol,
Ainda enfia
Sua linha,
Como bala,
 Na agulha,
Como quem,
 Mestre em tiro,
 Atira a linha
Num mar-alvo
 E acerta na bala,
 Uma esquecida,
 Ali atirada,
Cuspida pela boca,
Arma de fogo,
Perdido o gosto
 Por tanto chupar
 Seu sabor artificial,
Tal qual
Estas linhas aqui.
Refazê-las?
Refi-las.
Mas, cansadas de esperar,
 Debandaram da fila.
 E eu, que fiz?
Tiro, claro!
Enfiei-lhes bala.
Cuspi-lhes fogo.
Da minha própria boca, porém,
Língua de artifícios,
Só linhas,
Mais e mais.
 Então, descubro
Que durante todo esse tempo
 Fui a isca,
Enfiado,
Atirado,
Mas jamais mordido.
É ou não é
Para (se) dar um tiro?!
 

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