quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

DOMINO, DOMINUS, DOMINÓ



SOU UM PROFETA
À ESPERA DE DEUS.
MAS ELE ME ESQUECEU
OU COM OUTRAS CONVERSAS SE ENTRETEVE.

COMO NÃO CONVERSO,
PARA NÃO ME DISTRAIR
E ME DESINTERESSAR DE DEUS,
OUTRO DIA PENSEI, RAPIDAMENTE,
SE NÃO SERIA SURDO
E ASSIM JAMAIS SEREI PROFETA.

MAS OUÇO OUTROS SONS
E ISSO ME CONSOLA:
CONSOLA-ME DA ESPERA DE DEUS
E DE QUE NÃO SOU SURDO.

SE SÓ OUÇO ESSES SONS -
SOM DO VENTO E DO VENTO FORTE,
SOM DA CHUVA E DA TEMPESTADE,
O CHACOALHAR DAS ÁRVORES
E DO MEU PENSAR -,
COMO SEI, OUTRO DIA, PENSEI
SE NÃO SÃO ESSAS AS VOZES QUE AGUARDO
E COMO HEI DE CONHECER DEUS
SE NÃO SEI COMO ELE FALA.

TALVEZ EU SEJA MESMO UM PROFETA,
MAS QUE NÃO SABE ESCREVER
PORQUE NÃO CONSEGUE ENTENDER
A DIFERENÇA QUE PODE HAVER
ENTRE MEU PENSAR E DEUS CONHECER.

NUNCA LI "OUTROS" PROFETAS,
NEM SEI SEQUER SE ELES EXISTEM.
DEI-ME ESSE NOME AO ACASO
E CHAMO ASSIM AO QUE ESPERA.
DEI TAMBÉM ESSE NOME A DEUS
E CHAMO DE ACASO AO QUE SE FAZ ESPERAR.
DEI À ÁGUA DE CIMA PARA BAIXO
O NOME DE CHUVA E ASSIM A CHAMEI,
E AINDA DE TEMPESTADE À SUA IRA.
DEI NOME DE VENTO AO QUE NÃO VIA
E FORTE FIZ-LHE COM A MINHA FRAQUEZA.
CHAMEI DE ÁRVORES ÀS MANCHAS VERDES
E DESISTI DE NOMEAR AS CORES.

COMO SE VÊ, ERREI:
SOU UM DEUS
À ESPERA DE UM PROFETA -
E ESTE FOI MEU ERRO:
TER-ME CRIADO COMO MAIOR,
COMO O TODO, COMO O ÚNICO,
E TER-ME ESQUECIDO DE UM MENOR
A MIM EM TUDO PARECIDO.

QUIS VOLTAR ATRÁS
E TINHA ATÉ NOME PARA ISSO:
CHAMARIA DE HOMEM.

SOU O HOMEM QUE INVENTOU DEUS
E PARA QUE ELE NÃO FOSSE ESQUECIDO,
FIZ-ME O PROFETA QUE O ESPERA.



CHICO VIVAS

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

AS PRIMEIRAS LETRAS

MySpace Comment






E se faltar base,
Faz das costas uma mesa,
Sem nada planejado;
Faz delas um plano
Sem nada preestabelecido,
Um plano levemente inclinado.

E é aí que eu cravo a pena,
Escrevendo como se apenas
Ali fosse a base que me faltava.

E se nessas costas desoladas
A pena falha,
Troco de caneta,
E continuo minha sina,
Anônimo,
Sem assinar embaixo,
Ao pé-da-página,
Já que da letra, ao pé,
Nunca nada se cava.

E por que tudo isso segue
Desse modo enviesado,
Segue assim tão inclinado,
Sem ter estabelecido nada?

É que não se traça uma palavra ereto:
É preciso uma horizontal,
Por mais que me chamem de convencional;
É necessário que as costas
Tenham certa inclinação para tal,
Que mesmo ausente o plano,
Elas resistam inclinadas,
Levemente,
Pois só assim vale a pena,
Ainda que desse jeito possa falhar;
Mas até para isso dá-se um jeito:
Ou se dobram mais as costas,
Dando-lhes desenho de mesa,
Apoiada em pés firmes
(em pés de mesa)
que façam as vezes de pés,
quase ao pé-da-letra,
e aí se risque,
e aí arriscado
a ter dores lombares,
mas se se preferir,
em vez dessa inclinação total,
troca-se de leve
a pena por outra caneta.

Porém, é bom não esquecer
Que esta tem sua natureza
E que uma caneta sempre se submete
À lei da gravidade,
E mesmo que lhe falta atitude séria,
Nada é assim tão engraçado;
É necessária certa posição
Para que a tinta atinja a ponta,
A ponta que é uma esfera;
E então, umedecida a pena,
Se a aponta em direção das costas,
Já que é ali a base de tudo.

As costas fazem de conta que são mesa
E a pele sempre cumpre o seu papel.
Lá vem a pena,
Que nas aves ficam às (suas) costas,
Para escrever seus planos
Com caligrafia inclinada,
Levemente.

E talvez, num momento de distração,
Desenhará formas obscenas
Que logo quererá apagar.

Se a pele é papel,
A ponta do dedo, borracha.
Molha-se-a na ponta da língua
E se a passa na pele sobremesa.

Às vezes, isso deixa rasuras
Como escritas mal feitas
Ou como tatuagem perfeita
Da qual se arrependeu de tê-la feita
E agora se a quer apagar.


CHICO VIVAS

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ATRÁS DAS GRADES





A GAIOLA ALOJA UM CORPO FRÁGIL
QUE MAL SE SUSTÉM SOBRE PERNAS FINAS.
E BEM QUERIA ESGARÇAR AS GRADES
COM MÃOS TRÊMULAS E DEDOS LONGOS,
MAS O QUE LHE RESTA É FICAR
COM O CORPO DOBRADO EM PARTES IGUAIS,
OLHAR O MUNDO TODO RISCADO
EM LINHAS EM PÉ, TODAS UNIDAS;
E COMO PODE FAZER, PENSA AINDA,
DAQUELA JANELA SEM FERA GUARDADA
O PRÓPRIO MUNDO -REDONDO OU QUADRADO-
ONDE LIBERDADE NÃO SEJA SÓ SAIR,
EM QUE NÃO HAJA A OBRIGAÇÃO DE ENTRAR.

E SENTE-SE, ASSIM, UM ANIMAL ESQUISITO
PORQUE OUTRO PARECIDO NÃO CONHECE,
E SUA FALA SE TURVA DE GRITOS
QUE NÃO SAEM DA GARGANTA CALADA.
SABE-SE SÓ E DESEJA CONHECER
SE HÁ MAIS UM COM PRISÃO DECRETADA
QUE SOFRA, ABATIDO, A EXISTÊNCIA AMARGA
DE ESTAR PRESO - QUE NÃO É TANTO,
DE ESTAR FRACO - QUE NÃO É MUITO,
MAS DE SER SÓ OU SÓ NÃO SER
O REFLEXO DE SI NUM ESPELHO D'ÁGUA
ALOCADA A UM CANTO DO PÁSSARO ESCONDIDO
PARA SACIAR UMA SEDE LATENTE
QUE AMEAÇA A TODO INSTANTE
EXPLODIR COMO UM JATO QUE VEM
COM FORÇA TOTAL DE UM LENÇOL CAMUFLADO,
PORÉM NADA DISSO QUE SENTE É SEDE,
É SÓ A VONTADE DE SEDE SENTIR
PARA TODA AQUELA ÁGUA BEBER
E ACABAR COM ESSE ESPELHO VAIDOSO
QUE LHE EXIBE UM ROSTO CORTADO
PELA PROJEÇÃO NA "PELE" TRANSLÚCIDA
DE VARAS QUE SERVEM NA VERTICAL
COMO LIMITE PARA ALGUMA CERTEZA...

E DEIXA-SE FICAR, FICAR ONDE ESTÁ,
DOBRADO EM TRÊS PARTES IGUAIS:
É CABEÇA, É TRONCO, SÃO SEUS MEMBROS
CONTORCIDOS NUMA EXPERIÊNCIA CIRCENSE;
E NUM RESSAIBO DE OLHO ANTEVÊ
OS ANIMAIS ADESTRADOS ESPERAREM
NUMA JANELA TÃO MAIOR QUE A SUA
QUE SEU TAMANHO A FAZ PARECER
UM MUNDO GRANDE DEMAIS PARA ABRIGAR
SERES CONTADOS EM NÚMERO PEQUENO,
QUANDO A SUA, QUE MUITOS PODEM QUERER
CONFUNDIR COM UM MUNDO A SEU DISPOR,
É MÍNIMA QUANDO SE TORCE PELA SEDE
QUE VENHA DEPRESSA ARREBENTAR
COM A INSISTÊNCIA A TODO MOMENTO
DE IMPETUOSA À SUPERFÍCIE BROTAR,
E TUDO O QUE CHEGA À BOCA BEM SECA
É SÓ A DESCONFIANÇA DE QUE A SEDE VIRÁ,
E ESPERA-SE...
ESPERA-SE...
O ESPETÁCULO COMEÇAR
SEM A FANFARRA - COMO É TRISTE!
SEM MULHERES - COMO É TRISTE!
SEM OS CAVALOS - COMO É TRISTE!


COMO SÃO TRISTES TODOS ELES!
COMO É TERRÍVEL A SENSAÇÃO
DE PÔR DECIDIDO A MÃO NUMA CARTOLA
E ENCONTRAR LOGO DE INÍCIO O SEU FUNDO
E PRESSENTIR NO OLHO DORMINHOCO
DE UM OU OUTRO NA PLATEIA
A CUMPLICIDADE COM O TRUQUE
E COM A DERROTA DE UMA VIDA!

E COMO É LARGA A PRANCHA ESTREITA
EM QUE CAMINHA, SIMULANDO DESEQUILÍBRIO,
UM CORPO AINDA ÁGIL SOB A MALHA
QUE REVELA UMA MAGREZA OCIOSA!

E COMO É PERCEPTÍVEL
A MANCHA ESCURA NO ROSTO PINTADO
DE UMA JOVEM QUE AS LÁGRIMAS FARÃO
UMA MÁSCARA DE SONHOS PERDIDOS!

TRAZEM-"ME", FINALMENTE, AOS BRADOS
E ANUNCIAM UM HOMEM SEM RIVAL:
SOU ESSA FERA - AVE! - PROPAGADA,
DOBRADA JÁ EM QUATRO PARTES IGUAIS.
E NINGUÉM ENTENDE, POIS NÃO VEEM
QUALQUER GRADE QUE ME GUARDE.

COMO FICO PRESO COM A GAIOLA ABERTA,
E COMO JAMAIS SINTO SEDE,
SÓ O PIPOQUEIRO PARECE ME ENTENDER
PORQUE SENTE NA PRÓPRIA MÃO AO PÔR O SAL
A VONTADE DE BEBER QUE SÓ ME VIRÁ
QUANDO NA TERRA A ÁGUA DESAPARECER.



CHICO VIVAS

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

PARADOXOS




A pressa caminha a minha frente.

Se há vista, a pressa olha em volta
e, de relance, me vê.

Eu sou aquele Aquiles, aquele
em que há pernas, ligeiras há.

Mas por mais que me apresse,
não alcanço a tartaruga-pressa.

E se a alcançasse,
que seria de Zenão?
Se não, daria a Zenão razão.

Esse paradoxo apressa a palavra
e ela não é Aquiles não.
Ela não é a pressa, aquela.

Aquiles de pressa são palavras,
como (o) paradoxo que não se apressa
e divide, indefinidamente, o movimento, o espaço,
para, por mais lenta que caminhe a pressa,
a minha frente,
não a possa ultrapassar,
eu, esse-aquele,
aquele Aquiles que sou.

Mas não devo falar de mim,
nem como este nem como aquele,
embora eu seja aquele
que tem a pressa a sua frente
e não tem pressa de lhe passar a perna,
porque Zenão assim o quis,
porque se não, para que palavras:
esse paradoxo?

Como Aquiles? Como pressa?
Para que palavras?
E mais paradoxo, para quê?
E nem falei da flecha no ar
que em algum momento terá de parar,
e terá de cair;
se não, se não cair,
e no ar parada ficar,
a pressa, que anda devagar,
mas a minha frente sempre está,
mesmo que agora queira correr,
como ela, o que acontecerá?

Se sim, sim.
Se não, paradoxo.

Senão sim, um paradoxo,
mas um de Zenão.

CHICO VIVAS

domingo, 1 de agosto de 2010

CATA DOR DE ALUGUEL





Cato,
Andando,
Amarradas palavras soltas,
Materiais,
Material reciclável,
Sensível,
Sem sentido,
Tátil para
-para!-
Fazer poesia
(e não parei).

Cato ainda,
Andando para quem
Não gosta de me ver assim andar,
Palavras muitas,
Soltas ou não,
Amarrado como estou
A não parar de catá-las.

E não as conto,
E não faço inventário.
Eu só as conto,
Eu só invento palavras
Que há muito já existem.

Se presas, solto-me;
Se altas, não me rebaixo;
Se de outros, fico alheio a isso.

E brigo
Porque,
Indomáveis
(se têm dono eu não sei),
palavras,
soltas ou não,
fazem comigo
o que querem,
até fazendo comigo,
eu que dou uma face,
e ainda dou a outra,
o que significa dizer
que depois de dar as caras,
o (seu) verso também dou,
o que não gostariam
de que eu com elas fizesse.

O que querem de mim essas palavras?
Palavras amassadas,
Palavras sem mossas,
Como moças de cara amassada;
Palavra matéria,
Se alguma é;
Palavras recicláveis,
Se isso não for lixo.

O fato é que cato palavras
E guardo-as
Debaixo da cama,
Deixando-as acamadas,
Como se cumprissem resguardo
Imposto por mim.

Quando se levantam,
Misturo-as ao pó
De outras tantas palavras,
Aos farelos
De outros tantos sentidos.

Estendo tudo sobre o lençol
Na hora exata em que quero dormir,
Como se levasse para cama o alimento do corpo,
Esfarelando palavras na alma,
Como se a poesia fosse um pão
Enorme,
Uma só códea,
Aparentemente infindável,
Por mais que se faça farelos na cama,
Alimentando a alma,
Por mais que se lhe coma,
Alimentando o Pai-Nosso,
De dia sim dia não.

Mas chega uma hora,
Exatamente na hora em que tem de chegar,
Em que pão, para que te quero?
Em que farelos não enchem a mão.
Em que palavras são o que são,
E com isso só poucos
Fazer poesia conseguirão.

E eu,
Mesmo não sendo muito,
Sendo dos muito só um pouco,
Eu não.



CHICO VIVAS

quinta-feira, 1 de julho de 2010

MEIA-PASSAGEM





Acordo o cedo,
que parece ter dormido no ponto,
a ponto de ter perdido o ônibus,
talvez por ter ido dormir tarde.

E o faço porque preciso
que ele esteja bem desperto
para me dar a sensação
de estar levando adiante
as horas de mais um dia,
que passa...
que passa...
que há de passar como outro qualquer,
como um ônibus atrás do outro,
sem que diferença pareça haver
entre os destinos que tomam.

Mas a sensação que tenho
é que custa a passar a hora
que espero, ansioso,
para me dirigir ao dia,
sacudindo-o,
exortando-o com palavras calmas
para que se levante,
para que dê as caras,
mesmo que tenha de o ameaçar,
dizendo-lhe “olha lá,
teu ônibus já vai passar”!

E enquanto essa hora não chega,
nada posso fazer,
já que o dia está no seu direito de dormir,
mesmo que a cada segundo
aumente em mim
aquela mesma sensação
de que o tempo
-o meu, claro!-
está a passar,
como todo dia.

Sacudo-o, é verdade,
porém o que sinto,
e esta não era a sensação que queria,
e que essa rotina não passa...
não passa...
não passa de um saco sem fundo,
tendo eu de todo dia
me levantar cedo,
sem sequer haver ainda dia,
e justo para o acordar,
sacudindo-o,
exortando-o,
ameaçando-o, se preciso,
até imitando a aproximação
de seu ônibus veloz,
que pela rapidez com que vem,
passa,
e deixará, sem o levar,
a um destino, seja qual for,
o dia a dormir no ponto,
deitado num banco,
ocupando o lugar de outros que esperam
pela hora do seu,
sacudidos talvez que foram,
exortados quem sabe,
ameaçados, é possível,
para mais um dia
que lhes parece custar a passar,
mas que passa...
mas que passa...
nessa rotina que conduz a quê?



CHICO VIVAS

terça-feira, 1 de junho de 2010

PAU-MANDADO






SE ME DISSERES: DIGA,
EU CALAREI,
CONTRARIANDO-TE.
SE ME PEDIRES QUE ANDE,
EU SIGO,
OBEDECENDO-TE.
SE QUISERES QUE EU LOGO ESQUEÇA,
E DESCARTE COMO PRONOME SUPÉRFLUO,
A SEGUNDA PESSOA QUE HÁ,
EU TE DIREI,
AINDA INSISTINDO EM SEGUIR
AO LADO DA OUTRA, SEGUNDA,
QUE TUDO QUE EU QUERIA
ERA LIVRAR-ME DESSA TAL PESSOA,
PORQUE SEI, NÃO SEI SE SABES,
QUE COM VERBOS DIÁRIOS
FÁCIL É
DECORAR
COMO TERMINAM
TODAS AS SEGUNDAS PESSOAS,
SEJAM ELAS QUAIS FOREM,
MAS QUANDO IRREGULAR A AÇÃO
OU COM DEFEITO A CONJUGAÇÃO,
AÍ É QUE SÃO ELAS!...
OU MELHOR, É(S) TU,
NÃO SENDO VOCÊ,
E É (SOIS) VÓS,
MESMO SEM ECO
QUE UMA LÍNGUA PODE CONTER.
MAS ISSO TUDO QUE QUERO
E QUE QUERO QUE QUEIRAS
E AINDA ME DIGAS QUE QUERES
PARA QUE EU TAMBÉM QUEIRA,
TUDO ISSO NÃO SE DIZ,
PORQUE TUA BOCA CALA:
NADA TU ME DIZES,
NÃO FALAS DE TI,
NEM DA SEGUNDA PESSOA,
NÃO ME PEDES QUE DESISTA
DESSA PESSOA,
A TAL SEGUNDA,

E COMO NÃO SEI QUERER,
PROSSIGO MESMO SEM ME DIZERES: SIGA,
OBEDECENDO-TE ASSIM,
AINDA QUE ME PEÇAS
PARA IR ADIANTE,
ADIANTE EU VOU,
E TU, SEGUNDA PESSOA,
NADA ME DIZES QUE DESFAÇA
ESSE EMARANHADO DE NÓS
EM QUE VÓS VOZ CALA,
EM QUE VOZ VÓS CALAIS,
EM QUE TU NADA DIRÁS DO QUE QUERO QUE CALES,
DO QUE NÃO QUERO QUE FALES.
SE DIGO: EU,
EU EM PRIMEIRO,
A PESSOA,

SE ELA É QUE DIGO,
ELA É TERCEIRA,

A PESSOA DE QUEM SE DIZ;
SE NÃO RESISTO E ME VOLTO,
OBEDECENDO-TE A TI,
TU ÉS A PESSOA,
A TAL SEGUNDA
COM QUEM SE FALA,
MAS ISSO NOS VERBOS,
ISSO NA AÇÃO VERBAL,
NÃO NA CARNE,

PORQUE JÁ NÃO NOS FALAMOS,
E QUANDO DIGO NÓS,
NÃO FALO DE MIM,

NEM FALO DE TI,
SEGUNDA,

FALO SIM DO ERAMANHADO DE SÓS,
E QUANDO, FANTASIANDO, SAIO DE MIM,
CONTRARIADO,

VOU A TI, OBEDIENTE,
E DIRIJO-ME A ELES,
FALO DOS SÓIS,

DE TODOS ELES,
AINDA QUE SÓ UM SE CONHEÇA.
O SOL PODE DIZER: EU.
EU POSSO DIZER: TU.
TU QUE NADA FALAS,
QUE HÁS DE DIZER,
SE NADA PROMETEU FALAR?
PROMETEU QUE DO SOL ROUBOU O FOGO
E AOS HOMENS O DEU,

A SÓS,
SOU EU,

AO SOL,
SOU EU,

OS NÓS SÃO ELES
E A VOZ QUE TU NÃO FALAS CALA,
COMO UM SOL QUE SE VAI,
VENDO-ME,
EU.

E TU, PESSOA?


CHICO VIVAS

sábado, 1 de maio de 2010

SAFRA

MySpace Comments



SE MINHA BOCA FALA A PALAVRA MALDITA,
PECA;
SE PECA,
MADURA DEMAIS,

A FRUTA RESISTE NO TALO E NÃO CAI,
MAS PECA CONTRA A NATUREZA,
ASSIM COMO EU QUE INSISTO EM NÃO CAIR,
PRESO AO TALO DE UMA ÁRVORE MORTA.

SE PECA MINHA BOCA POR PALAVRAS:
MALDITA!
E MALDITOS PENSAMENTOS E ATOS PECOS TAMBÉM
QUE RESISTEM PRESOS AOS TALOS
E NÃO QUEREM CAIR
-
COMO EU QUE PERMANEÇO RETO,
PRESO,
MORTO.


SE SACUDO A NATUREZA
COMO SE FRUTA MADURA NO TALO,
NÃO CAIO,
NEM MESMO TENTANDO PEGAR
A TAL FRUTA PECA.

DE QUE ADIANTA ESSA FRUTA NO CHÃO,
SE NÃO PECO?...


JÁ TÃO MADURO,
MAS AINDA PRESO AO TALO,
PRESO À PALAVRA,
INCLUSIVE À PALAVRA MALDITA,
ATADO À NATUREZA DOS PENSAMENTOS,
PENSANDO NO TALO DOS ATOS,
SE, SEM JAMAIS CAIR,
INSISTO EM MORTO VIVER...

MAS POR QUE VIVER É CAIR?
E POR QUE A FRUTA NÃO SACODE?
SERÁ ISSO CONTRA A NATUREZA?


SE CALO,
NÃO PECO.

PORÉM, PENSAR É UM ATO,

E SE PENSO EM PALAVRAS:
MALDITA ESSA NATUREZA MINHA!
SE ME SACUDO TODO,
COMO FRUTA MADURA NO TALO,

NEM ASSIM EU CAIO -

MESMO PECO COMO ESTOU,
VIVENDO MORTO COMO VOU,
COMO VARA VERDE E FINA
SEM FRUTA ALGUMA PARA DERRUBAR.

QUANDO CAIR:
QUAL TERÁ SIDO A VARA?
QUANDO NO CHÃO, PECO?
QUAL A MALDIÇÃO?
TALVEZ SEJA SÓ NÃO MAIS PODER PENSAR...


EM PALAVRAS.


CHICO VIVAS

quinta-feira, 1 de abril de 2010

AQUI ENTRE NÓS



Mesmo sem bússola
Norte é norte.

No norte, festa do sol,
No sul, só os sós
Fugindo do sol,
Sem norte,
Tendo por bússola sua solidão.
E não querem o dia,
Não esperam que ele nasça.
Para eles, melhor a noite toda,
Prolongando-se dia afora
Para esconder os sós deles próprios,
E que é como esconder o sol
Com as próprias mãos como peneira.

Em pleno sol, os sós fogem de si,
Mas se multiplicam, escondidos, à noite.
Apesar deles, que são muito,
É improvável que o sol não nasça,
Da mesma forma que é impossível
Que não surjam mais sós.

Se se sopra no olho o sol,
Só, com isso, aumenta-se a luz do dia;
Se se sopra um só,
E ele é todo olhos,
O que acontece?
No sul, ele adormece,
No norte, a bússola entontece
E já não mais indica,
Com sua costumada segurança,
O caminho certo a seguir.

O mundo não pode prescindir dos sós,
Como não pode viver sem sol;
E embora plural os sós,
Onde outros sóis?

Se se acorda ternamente
O sol numa cama de palha,
Ela queima;
Se é um só que se deita aí,
Nessa cama tão-só,
Aí, é ele quem arde,
E a palha, mesmo seca,
Nega fogo,
Afoga seus olhos
E emudece:
E em palha molhada,
Com todo o sal,
Nem mesmo um sol deitado,
Ateia labaredas.

Se se dão graças aos céus
Por mais um dia de sol,
O que se dá a um só?
Se se lhe dão graças, é patético.
Se se lhe fazem versos, poético.
Se se o confunde com um sol, cético.

Não há esperança pra os sós:
Há de vir, renascido, o sol
Afugentá-lo do dia,
Empurrando com suas horas
Para as tarefas coletivas,
Comunitárias.

Por que são assim os sós?
Porque sim. Porque são assim.

Quando, enfim, cansado do dia,
Não eles, sós, mas o sol, um só,
Ele se for,
É hora dos sós saírem,
De saírem todos juntos,
Mas jamais fazendo companhia
Uns aos outros:
Jamais!
Jamais!
Jamais!

Jamais um bando de sóis dará as caras.
Já de sós...
Todos sós...
Mesmo em bando...

Enquanto a noite passa,
O dia os dispersa.


CHICO VIVAS

segunda-feira, 1 de março de 2010

UNIDADE DE QUEIMADOS


MINHA CASA ARDE,
MINHA BOCA ARDE,
MINHA PELE ARDE,
MEUS OLHOS ARDEM
POR CAUSA DAS CHAMAS ALTAS
DA MINHA CAMA A ARDER.

AS JANELAS DA MINHA CASA
SÃO COMO BOCAS ARDIDAS
CHAMANDO POR SOCORRO
QUE LHE VENHA NÃO EM JATOS D'ÁGUA,
MAS SÓ POR MAIS FOGO
QUE LHES FAÇA ARDEREM.

ESSES MEUS OLHOS VERMELHOS
QUE BEM PODERIAM SER
DE MIM AS JANELAS ABERTAS,
SÃO TODA A CASA A ARDER.

ARDE-ME TODA A PELE
(E QUE NÃO SE PONHA POMADA NELA,
NEM QUALQUER OUTRO ALÍVIO SE LHE DÊ):
O QUE QUER A MINHA BOCA
É EM ÁGUA SE ENVOLVER,
NÃO A DO DEGELO DA NEVE,
MAS A DO BEIJO A FERVER,
EM BRANCO, EM PRETO,
COMO NUM FILME PASSADO,
EM AMARELO, EM AZUL,
EM CORES TODAS BEM FORTES,
COMO NUMA
ESTÓRIA A PASSAR.

MAS QUE NÃO SEJA APENAS VERMELHO,
PORQUE JÁ BASTAM OS MEUS OLHOS A ARDER,
E MINHA CASA A QUEIMAR,
SOLTANDO LABAREDAS
QUE COM LÍNGUA SE PODEM COMPARAR,
E ME FAZEM INTROMETER,
NESSA ARDÊNCIA DE PALAVRAS,
ESSA MINHA LÍNGUA TÃO FRIA,
COMO BLOCOS DE GELO.

ARDEM-ME AINDA OS DEDOS.
E SE ESFREGO OS OLHOS VERMELHOS
COM OS DEDOS A ARDER,
SOLTA FAÍSCA MINHA PELE
E FAZ MINHA BOCA QUERER
QUE VENHA LOGO O AUXÍLIO.

ESCADA MAGIRUS E BRAVURA!
QUE SE LANCEM DE MANGUEIRAS ENROLADAS
OS DISTINTOS JATOS DE FOGO
QUE, AO CAÍREM SOBRE MEUS OLHOS,
AVERMELHAM MINHA BOCA;
E SE FOR A BOCA A ELES RECORRER,
DESCANSAM ESSES OLHOS BRANCOS
QUE MIRAM A PELE A ARDER.

E, FEBRIL, DE LÁBIOS RACHADOS,
PASSO A LÍNGUA SOBRE AS FERIDAS
E NADA SINTO!

E SE FRIO COMO GELO,
OLHO PARA TAIS LABAREDAS
E NÃO FICO MAIS VERMELHO.

PARA QUE PELE?
PARA QUE LÍNGUA?
PARA QUE (ME) SERVEM PALAVRAS ARDENTES?

DE TANTO JÁ QUEIMAR A CASA ARDE
E UMA HORA HÁ DE CAIR.

CAIRÃO NESSA HORA OS MEUS OLHOS?
E A MINHA BOCA CAIRÁ?

DE TANTO ARDEREM, MEUS OLHOS (ME) QUEIMAM,
E UMA HORA HÃO DE SE FECHAR:
SAIRÁ MINHA PELE DO CORPO?
E MINHA BOCA SABERÁ?

DE TANTO GELAR, MINHA LÍNGUA ARDE
E FAZ A BOCA, A MINHA, QUEIMAR,
E UMA HORA HÁ DE FALAR
TODAS AS PALAVRAS VERMELHAS:
SABERÁ MINHA BOCA CATÁ-LAS
OU DE NADA SABERÁ?

SE ARDO,
SE QUEIMO,
SE (ME) AVERMELHO,
SÃO SÓ PALAVRAS(-)SABIDAS

SE CHAMO,
SE CHAMA,
SE CHAFARIZ,
SÃO SÓ ARDORES
DE UMA NOITE FRIA QUE DIZ
QUE O SOL LOGO IRÁ DEGELAR
E O RIO QUE ASSIM SE FORMARÁ,
CAUDALOSO, AVERMELHADO,
CORRERÁ SOB MEUS OLHOS CANSADOS
DE PROCURAREM NUM INCÊNDIO
UM MOTIVO PARA FALAR
DE UMA CHAMA QUE PELO NOME NÃO CHAMO
PELO TEMOR DE ARDER...
DE QUEIMAR
.

CHICO VIVAS

domingo, 7 de fevereiro de 2010

hINOMINÁVEL



Dize-me, ó mar!...
E quantos outros antes,
neste mundo, num canto,
já não estiveram a te perguntar,
ó mar!
Dize-me, então,
no canto que me põe entre tantos,
quantos não sei contar,
dize-me, ó mar,
por que hesito em perguntar,
e faço voltas, indo,
e volto para cá?
É de revoltar, ó mar!
Em vez de, dize-me logo,
do canto onde de encontro,
dúvidas te atirar, ó mar?


Garrafas não tenho à mão,
bebidas amargam-me a boca,
ó mar!
Escritos, todos os amargos doces (me) parecem
como o amar um dia doce,
amarga ter de cair no mar,
nesse pranto em ondas,
nesse prato (cheio) salgado
em que o nosso mar em gotas,
lágrimas hoje de um recuado amar,
caem e, dize-me como, ó mar,
desaparecem entre outras,
sendo tu o mesmo mar
(pelo menos aos nossos olhos).
Como pode sumir assim
o que ao olhar era sem fim
como agora, ó mar, é mar
aquele amar que era sólido,
hoje liquefeito no ar?


Dize-me, ó mar:
até quando poderás suportar
que te lancem garrafas plásticas,
como um fixo olhar
sobre ti a se deitar,
deixando-se ir, fazendo-se levar,
tal qual, esses olhos que boiam,
envelopes abertos a comunicar
a dúvida desse dizimar?


Porque não se devasta mar.
Pode-se talvez dizimar,
e se isso acontece,
por mais que eu pergunte,
o que mais dizes, ó mar?
E amar, dize-me, ó mar,
que ainda dizimando-não,
amar pode ser devastado-sim
como mata fechada em que
todo caminho se crê conhecer
e um dia, picada e picada,
a mata, aberta a tantos caminhos,
é só um caminho aberto,
mas fechado ao mar
e amar, ó mar, dize-me,
é possível "ele" dizimar,
como se, palavra a palavra,
todas feitas de papel,
enxugassem, sílaba a sílaba,
esse monossilábico mar?


Tão ele uma sílaba só,
esse mar monossilábico
que, salvo ondas de cochicho,
esse vaivém a murmurar,
silencia,
silencias, ó mar.
Quando, dize-me ó mar,
pergunto-te,
por que só respostas no ar?
Será, ó mar, que baixei os olhos,
e deveria esses olhos elevar,
porque eleva-dor
e subir no conceito do céu,
pois se existe - existe céu, ó mar?-
deve ser para nos ouvir,
embora, como tu, ó mar,
por mais que lhe pergunte, ó céus,
só me dizes: mar!


Deste ao céu.
Deste ao mar.
E eu sempre no meio.
E quem resolve, revoltado,
a questão do amar que um dia água,
dia seguinte, vinho,
terceira noite, céu,
e quarto - de dia ou de noite - mar
e ainda no outro - noite ou dia -,
dizimar:
dize-me, ó mar!


Sei que tropeço na língua,
e grande até que ela não é.
Será que te calas, ó mar,
porque tantos, entre tantos como eu,
vêm te perguntar,
e dar respostas a todos
poderia te valer - de que isso te valerá? -
ser conhecido, ó mar,
como um língua-comprida?
Mas, ó mar, dize-me
(antes dizimar),
se o que pergunto não é
o que, entre tantos, outros
vêm sempre te perguntar.
Assim, dize-me,
se me respondes, ó mar,
não respondes a todos
que um dia, amar,
outro, dizimar,
outro ainda, céu calado,
e mais um, silencioso mar.
Assim, dize-me
se não sou o primeiro a te perguntar
e se respostas aceitaste dar
para pergunta, ó mar,
que te faço, dize-me,
a resposta já não está no ar?


Mas onde, ó mar?
no ar que é o ceu,
nesse seu ar de mar,
ou entre ti, ó mar e,
dize-me, ó céu,
nesse espaço de ar
em que se garrafas são jogadas,
no chão vão-se espatifar;
se perguntas recebem,
respostas ficam no ar;
se mensagens são enviadas,
é um disse-me-disse.
Preciso saber, ó mar.
Portanto, dize-me,
antes dizimar um amor
quando o amor ainda está no ar
para que, um dia, dize-me,
este mesmo amor não vá
parar nas móveis ondas no mar,
ó mar,
em ti,
esse amar?


Ou será melhor um amor,
por mais que haja cacos no ar,
porque no (nosso) céu
esses cacos, garrafas partidas,
quando pisadas, não doem
(mas quando caímos do céu...
mas quando perdemos o ar...
mas quando temos de, ó mar
mergulhar
para nunca mais...),
do que correr o risco
de dizimar antes da hora,
saindo antes da última palavra,
chegando cedo demais ao mar,
para aí as lágrimas lançar,
pergunto-te, entre soluços, ó mar,
por quê?
por quê?
por quê?
sem perceber que, lágrimas em ti,
agora elas são o próprio mar,
ao querer, eu, que digas, ó mar,
quando a elas agora
é que deveria perguntar.


Porém, se em ti, fora de mim,
tão vasto mar,
essa resposta não há,
dize-me, ó mar,
será mesmo em mim
que hei de a encontrar?!
Não - se a mata devo devastar,
não - se o mar posso dizimar,
não - se o céu é-me permitido importunar,
até chorar, até calar,
até beber,
até ferir os pés nos cacos,
até à vista, ó mar
ou há outra solução para viver,
dize-me, ó mar?


Ah! mar, dize-me,
por que o amor,
esse deus com cara de anjo,
está sempre a cobrar
seu dízimo, dize-me, ó mar,
a intervalo regular.
E cobra!
E quer, em troca, esse amor,
que nele se acredite,
mesmo que só dê as caras
com sua diáfana face de ar,
com sua inapreensibilidade de mar,
com foro privilegiado, no céu,
difícil de se alcançar;
talvez, dize-me, ó mar,
tão alto assim para que
não possamos mesmo reclamar,
restantdo somente ao ar lançar
nossas dúvidas, ó mar,
que se perdem em meio a outras histórias...


E há, vê isso, ó mar,
que o amar é capaz de deixar
qualquer um em estado de graça,
com olhos que veem anjos
onde só aves há,
que veem certezas
onde, não restam dúvidas,
só dúvidas...é que há;
com olhos que veem beleza
onde já se é belo
e enxergam ainda belo
onde beleza não há;
com olhos que veem eternidade
onde tudo é com data marcada;
que veem mar
onde só olhos há;
com olhos que chegam a ver
olhos...
e chama a isso que vê de mar
e quer aí entrar,
nesses olhos mergulharem,
quase a morrerem,
Depois voltar à tona sem fôlego
para a boca beijar
e ter certeza de que
tudo o que esses olhos viram,
por mais que outros digam
que não é bem assim,
que é ilusão do amar,
é, digo-te, ó mar,
a mais pura verdade.
E, mar, dize-me,
tu que recolhes tanto olhar,
se há verdade que seja pura.
Dize-me, ó mar,
se só há um de ti
ou se há outro possível a...mar.
Se só este em mim
ou se há outro de mim
ou se devo tudo isso deixar para lá.
Se há outro, se este outro
é igual, como sou "eu" e "mim",
ou se havendo outro,
haverá de mim outro eu
ou se somos todos iguais,
variando apenas a posição
frente ao mar, dize-me:
um que ali lança perguntas,
outro que, perfumado, com "esse ar",
lança um olhar
para a superfície, dize-me, do mar.
em busca do quem ora boia,
sem saber que este é náufrago
que acaba de se salvar,
que foi ao mar para morrer
e, no fundo das águas, sem querer,
suas próprias lágrimas foi encontrar,
e nelas achou a resposta,
e voltou, quase sem ar, à vida,
desejando senão, dize-me, mar,
dizer ao amar, ó mar, preciso de tempo,
mas, fisgado por aquele olhar na praia,
pescador de profissão,
que não sabe fazer outra coisa se não olhar,
esqueceu do que dizem do mar
e antes mesmo de sair das águas,
voltou, te digo, ó mar,
a amar.


O que será dele agora, ó mar?
Dize-me, se esse novo amar
é um velho hábito humano
para fazer rir o deus
ou se é a novidade que existe
em viver a perguntar,
a encontrar respostas em si,
a beber e a atirar as garrafas no mar,
esquecendo-se de nelas encerrar
uma mensagem que poderá
conter a resposta achada
e por tantos outros desejada,
ou a "própria" pergunta,
mais uma a encher o mar de dúvidas,
de garrafas,
de amar(es),
de hojes eternos
que ficam ontem antes da hora,
do sonho de um amanhã encontrar,
mesmo que se diga, ó mar,
que ainda é muito cedo
para insistir no erro de viver,
para descobrir o acerto de amar,
para perceber que a solução
para todas as perguntas
estão, antes de no mar,
em como se as perguntar.
Não é: ainda amar?
Pode ser: já?!
Mesmo que isso não queira dizer
amar já,
para não amargar o doce
quando a língua ainda não se lambuzou
de todo o fel,
que como todo mel,
é para ser bebido,
mas não direto na garrafa,
e sim a colheradas.
Quantas, aliás, dize-me, ó mar,
são necessárias para ti,
não para ti, que não precisas nada beber,
mas para te conter?


Sei só que a mesma quantidade
de mel que faz um amor encantado
é igual, sem tirar nem pôr,
à de fel para o mesmo amor,
quando se lança, junto com o olhar,
o encanto todo no mar.


Dize-me, ó mar: amar?
Se sim, quando mel,
doce água do mar,
te deixas encantar, levado por sereias
se não, quando fel,
sal de amargar,
onde lanças com teus olhos, ó mar,
o desencanto do teu amar?


Ah! e eu aqui
(junto comigo, outros tantos
que, diferentes de mim,
não fazem perguntas ao mar)
a invocar-te, ó mar,
a repetir esse "dize-me",
a querer respostas: quem as tem?
Respostas que não preciso para mim,
e não pela falta de fel,
mas pelo pouco desejo de mel.


Talvez, ó mar, eu só esteja
insistentemente a te perguntar
para a outros resposta dar.
Mas, dize-me, ó mar,
a resposta é a mesma?
A pergunta é sempre igual?
Os anjos têm cara de deus?
E, meu Deus!, que cara tens, ó mar?
Será cara de poucos amigos já,
por eu estar aqui só a falar,
sem ao menos dar-te tempo
de, tendo a resposta, me a dar,
já que não podes,
pela natureza que tens, ó mar,
dar de costas,
fazer de conta
tudo o que nós, digo-te, mar,
sabemos tão bem fazer?
Damos de costas, fazendo de conta
que olhamos na cara, com cara de anjo.
Talvez o segredo seja não "te olhar",
ó mar!
Mas, dize-me se for assim,
em nós nenhuma certeza encontrar.


E nada dizes-me, mar!...


E assim continuarei,
vida afora,
a te perguntar.


Dize-me, ó mar!



CHICO VIVAS

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

HAMLET DE OUTLET



O que soo

Se C ou não ser

Não é,

Seja isso o que for?

Se ser não E

E ser ou não ser

Soa assim

Como se não fosse,

Apesar de ser o que é?

Se sou,

E se isso soa a ser

Ou não C é

Ou, então, não, sô?

Sim, senhor, eu sou

O que suo,

Embora isso não seja C.

Se não suar,

Serei

Ou dirão que não,

Porque assim não soo

Ao que pretendo ser?

E se soar,

Num assesoir

Que não é sentar,

Que também não é C, tá!,

Um acetato que não se toca,

Ser rei

Ou errei ao C,

Isso ao cubo?

Dados postos,

Jogador de lado,

De qualquer dos seis,

Isto soa a jogo

De palavras suadas,

De palavras sem C,

De um C que não é,

De um E que só é

Se, acentuado,

For ser.

Forcei a mão

Como um Deus que joga dados.

Deus, sei que não sou.

Deus não sua,

Embora tudo soe a Ele

Como soi acontecer.

Se soo perdeu o acento,

Num jogo-de-cadeiras,

Perdendo o rebolado,

Com É não.

É ainda tem seu lugar,

Mesmo que,

E devemos lhe tirar o chapéu,

Quando circunflexo,

Circunspecto,

Fechado e conspícuo,

Ê ê ê ê!...

Sou, vá lá!

E isso é o quê?

O quê, sabe-se,

Não E,

Não C,

Não é o que parece ser,

Sendo o quê que é.

Se ser ou não ser é,

Tanto faz ser, que E,

Quanto não,

Que isso ainda é.

Se não for, vá lá!

Se for, é só ser.

Suado já,

Meu C (apenas um C)

Não é mais aquilo que foi,

Anda pondo manguinhas de fora,

Sem manter, entre as pernas,

Seu rabinho preso,

Soltando-o mesmo,

Como um S,

Como se,

Se sentindo como se fosse,

Não fosse o que é.

Cada qual seja o que for.

Cada um na sua.

Cada um sabe o que E.

Cada qual no seu ser.

Todos em si.

E só eu mesmo no ar


CHICO VIVAS

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

PEDRA DE ESCREVER




Palavras de pedra,
Sílabas rochosas,
Letras em pó
Como uma enorme frase que,
Com o vento,
Que com o mar,
(e sem falar: e com o tempo)
Em areia se tornou.
Mas há o caminho inverso
Que faz do pó da pedra,
Da areia da praia,
De novo concreto castelo,
Mesmo que venha uma onda
e...ah!...
Se ele, contudo, dura, tão mole,
O exato tempo de um sonho:
Dura, então, uma eternidade.
Se um papel, tão mole, dura,
A ponto de se deixar romper
Por uma palavra mais funda,
E se uma pedra,
No começo tão dura,
E logo, à força de um provérbio,
Tão mole que até a água fura,
É porque a lembrança dura.
E cada saudade é como
Uma e(x)cada que se sobe
E, a cada passo, avança
No caminho da memória.
Tudo, porém, pode ser mais simples,
Se se fizer do papel um bloco,
Folhas ao léu
Que aceitam palavras,
Inclusive a palavra (já) dada
De jamais esquecer;
E ainda se se fizer
Da pedra, tão dura, tão sólida,
Um bloco, um monolito,
O papel de tempo
Que se deixa tomar,
Que se deixa corroer -
E não para se perder,
Apenas para ganhar uma forma.
Talvez a forma de uma metáfora.
Mas, aí, já fica comple(x)o demais
Até para mim,
Eu que ex-crevo,
Eu que ex-barro
Eu que ex-mago.
Eu que luto para não ex-quecer.
Fantasia?
Não! Só encantamento:
Ora pela palavra,
Ora pela memória.
Ora pro nobis!
Ora,
Esse mistério que é o tempo,
Esse enigma que é o vento,
Essa ilusão que é
Re-lembrar
Como se se lembrasse de ré,
Olhando-se pelo retrovisor: o quê?
Uma folha de papel
Em que ex-culpi
Todo o xis da questão.



CHICO VIVAS

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails

Arquivo do blog