quinta-feira, 1 de julho de 2010

MEIA-PASSAGEM





Acordo o cedo,
que parece ter dormido no ponto,
a ponto de ter perdido o ônibus,
talvez por ter ido dormir tarde.

E o faço porque preciso
que ele esteja bem desperto
para me dar a sensação
de estar levando adiante
as horas de mais um dia,
que passa...
que passa...
que há de passar como outro qualquer,
como um ônibus atrás do outro,
sem que diferença pareça haver
entre os destinos que tomam.

Mas a sensação que tenho
é que custa a passar a hora
que espero, ansioso,
para me dirigir ao dia,
sacudindo-o,
exortando-o com palavras calmas
para que se levante,
para que dê as caras,
mesmo que tenha de o ameaçar,
dizendo-lhe “olha lá,
teu ônibus já vai passar”!

E enquanto essa hora não chega,
nada posso fazer,
já que o dia está no seu direito de dormir,
mesmo que a cada segundo
aumente em mim
aquela mesma sensação
de que o tempo
-o meu, claro!-
está a passar,
como todo dia.

Sacudo-o, é verdade,
porém o que sinto,
e esta não era a sensação que queria,
e que essa rotina não passa...
não passa...
não passa de um saco sem fundo,
tendo eu de todo dia
me levantar cedo,
sem sequer haver ainda dia,
e justo para o acordar,
sacudindo-o,
exortando-o,
ameaçando-o, se preciso,
até imitando a aproximação
de seu ônibus veloz,
que pela rapidez com que vem,
passa,
e deixará, sem o levar,
a um destino, seja qual for,
o dia a dormir no ponto,
deitado num banco,
ocupando o lugar de outros que esperam
pela hora do seu,
sacudidos talvez que foram,
exortados quem sabe,
ameaçados, é possível,
para mais um dia
que lhes parece custar a passar,
mas que passa...
mas que passa...
nessa rotina que conduz a quê?



CHICO VIVAS

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