sexta-feira, 1 de abril de 2011

QUE TROÇO É ESSE?



Destroço o barco,
E com isso,
Destraço a linha,
Desfazendo a rede
Que me prenda ao mar:
Sem âncora porque
O que me prende lá
Não me agarra pelo pé,
Mas toma-me,
Mãe que não é,
Pela mão, pela minha,
Como se essa rede fosse uma linha
Atada à minha, à mão.
Apesar de tudo desfeito,
Dito e feito como não disse direito,
Caio na rede,
E de boca aberta,
Sem uma palavra,
Como se todas elas
Ou naufragado tivessem
Ou, por outro lado,
Com a boca cheia d’água me deixado tivessem.

Que saudades de um anzol
Que me capte,
Mas que me fira,
E não que me pegue pelo colo
Como se me acalentasse em seu seio.
Um ferro retorcido,
Uma cedilha exilada do seu cê(r),
Como uma interrogação à qual
Falta um ponto
Que não lhe faz diferença;
Mesmo que, retorcido,
Enferrujado o cê,
Carcomido o ser,
Indiferente a interrogação
De um ponto de exclamação,
Sem poder se definir
Se surpresa!
Ou se não...ser?

Que saudades de um só,
De um sol que é sempre assim!
Que saudades de mim,
De um assim que se pareça comigo,
Ou de um assado ao sol,
Ali, solitário!

Do mar não tenho saudades:
Também, não sei nadar!
E assim,
Teria saudades de quê?
De morrer afogado?
De naufragar de medo?
De me debater sem oposição?

Essa é a diferença
Entre mim e quem,
Quem eu nem sei,
Que saiba mesmo viver:
Eu, por não saber nadar,
Não vou ao mar,
E assim saudades dele não terei
(e que me custava dizer
que tenho saudades do mar,
mesmo que durante toda a minha vida,
temesse nele entrar,
ou que tenho saudades do mar,
e das minhas entradas narrar
todas as minhas saídas,
ainda que nunca na vida
tivesse aprendido a nadar)?
Ele, esse quem
(e se quem eu sou não sei,
que dirá saber quem é
esse outro que não eu!)
que nadar sabe muito bem,
poderá dizer que não sente do mar saudades
porque não sabe nadar,
sabendo muito bem o que diz,
ou pode contar as aventuras
pescadas ali mesmo no mar,
e todas elas passadas em terra.

Qual é a diferença?
É que eu só digo o que sei,
O que quer dizer
Que falo muito...pouco.
É que eu só sei falar
Do que realmente me aconteceu,
Enquanto “quem”, quem eu não sei,
Diz pouco, mas pode dizer
O que viveu o até como morreu,
E isso depois de morto,
Ou diz muito e nada diz
De suas aventuras no mar,
Porque para que dizer
O que realmente aconteceu
-acontecido está-,
Quando há tanto a se falar
Do que nunca há de acontecer,
Como, por exemplo,
De um mar em que não se nada
De uma terra em que “se tudo”,
De um só que são muitos,
De um só que são muitos,
De um só que são muitos,
De um só que são tantos,
Que dizer quantos são
Não faz a menor diferença,
Já que o barco destroçado está,
A linha destraçada também.



CHICO VIVAS

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