sábado, 1 de janeiro de 2011

BÊ A BÁ DO A B C




Quem me fala não me soletra.
O que me diz eu não escuto.
Se falo, fica atento,
Se soletro, acompanha-me lento.
Põe a mão sobre os olhos e emudece
e aquela lágrima que corre
por um canto, esquiva,
é como um grito que sai
e do qual não se entende o que diz
porque gritos só doem
e a dor só se compreende
de olhos fechados, boca aberta
e as mãos nos ouvidos
para não chorar.


Se ponho a mão sobre os olhos,
apenas cego-me,
e não dói em mim
e nem corre ligeira
qualquer água em gotas.
Falo com a boca o que quiser,
chamo de dor ao que ela é
ou invento sons que não distinguem
o sofrimento do prazer.
E se levo aos ouvidos, espalmadas,
as mãos que aos olhos já foi,
apenas ensurdeço-me,
e ouço só longo o grito dado
de uma dor que soa distante,
e que logo, liquefeita, se desfaz.


Já se falo, conto todas as letras,
as letras quantas eu tenha para contar,
conto e reconto sem cálculo,
verto e reverto sem vazão,
encho uma bacia com o que contei
e despejo a água que chorei
num riacho de que não sei
nada:
onde nasce,
aonde vai.
E quando dele precisar
para cobrir meu rosto ou lavá-lo
ou ainda para confundir
uma gota com tanta água,
ou para quando vier a sede
e encher as mãos que levarei
à boca seca como se
cobrisse os lábios como aquele
que faz assim para nada ver:
o que farei?


Não sei se nessa troca
em que se vedam os olhos para não ouvir,
em que se tapam os ouvidos para não chorar,
o que hei de fazer para beijar?
Talvez levar as mãos à cabeça
e simular, sincero, um desespero.
Um beijo com lábios improváveis
nessa miscelânea de sentidos.
Será ao menos que um abraço
se fará, como de hábito, por um laço
ou esse encontro de cruzados braços
sobre as costas um do outro
é já o beijo tão sonhado,
o beijo não conseguido
com a boca a outra colada?...



CHICO VIVAS

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails

Arquivo do blog