quinta-feira, 1 de setembro de 2011

EMBATE BOCA



Antes que avance (aqui)
como avalanche de neve
desabando célere de montes,
como que cobertos de água branca,
intercepto tua lágrima,
nascida tão no alto teu,
num olho-d’água à flor da pele,
com o ardor da minha língua;
e não falo,
e não falo de idioma;
falo sim de impedir
que ela se lance
num lance tão arriscado,
por tuas escadarias abaixo,
em súbita semântica
sem real significado.

Falo,
digo mesmo,
como se falasse de um beijo
de língua - a sua ponta,
de lágrima - a tua aponta,
e lá vai,
e cá vem,
e já avanço então,
como serpente ansiosa,
bêbada de tanta sede,
sendo a lágrima seu oásis.

Toco-a com a ponta
e salgo a minha língua,
destruindo tua lágrima.
Não contente, sem tristeza,
persigo acima,
apesar do cansaço que dá à língua
elevar-se tanto assim,
quando é de sua natureza
apenas descer,
desde descer com
até com aspas descer
e “...”
saio lambendo o caminho
que em ti ela abriu
e em mim, maio,
como se pesquisasse
em idioma estranho
o leito agora seco
de um rio de grave importância
para a geografia do lugar.

E indo assim, de cá para lá,
ao, enfim, lá chegar,
vírgula,
ao teu olho,
ponto.
E ali me lanço como num lago,
mas não me algo,
saio seco:
por quê?
porque as águas nos olhos,
que são para um rosto
como que seu olho-d’água,
não saciam a sede,
a menos que se derramem:
é como se em frente a um lago doce
não se pudesse beber;
é como ter de esperar,
e ter de percorrer
o caminho de volta
até um determinado lugar,
que fica num ponto incerto,
em que a água que alaga o lago
cai, vinda do alto
em forma de cascata,
e então beber.

De nada me adianta
escalar teus riscos iminentes
e ir ao teu lado diretamente,
com minha língua sedenta;
não, é preciso esperar
por uma avalanche,
uma gota se desprender de lá
e desabar.

De tanta sede passar,
estando às margens do lago
(estando ao lado da margem
sem poder lhe rabiscar),
aprendi a dominar o idioma,
sem me tornar um filólogo,
um semântico,
um sarcástico,
um irônico,
um bombástico,
e, pensando em água,
aguardar a doce lágrima.

E já agora me arrisco
à sua vista não me exasperar
e correr ao seu encontro
com minha língua estimulada;
deixo-a rolar, deixo-a correr,
deixo-a avançar, quase a se perder...
em vão.

E eu morto de sede então,
deixo-a ao seu limite chegar,
à fronteira da tua boca aportar,
até que sintas em ti teu próprio sal,
e aí eu...
com minha língua esticada
avanço na tua, salgada,
docemente...


CHICO VIVAS

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