quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

L'HASARD EST MA SORTIE




Meu olhar de lado
Seguia teu andar reto.
Depois, meus olhos prontos
Fixaram-se em tua indiferença tonta.

Insisti, submisso, na sequência;
E um voltar de cabeça, sem revelar o rosto,
E um lançar de vista, sem agarrar um ponto
Não me deram a certeza,
E ainda me permitiram a dúvida;
Não me fez impetuoso herói,
Mas andei com passos estrábicos
Em ziguezague, mesmo em estrada larga.

Perguntei-te, com meus olhos:
Negaste-me teu nome.
Disse-te o meu, sem coragem de olhar
O corpo mudo que me ensurdecia
Com seus negares aprendidos,
Com meus desistires arrependidos.

O meu, já surdo às cantilenas
Da moral, do pudor, da conveniência,
Gaguejava palavras incompletas
Com dicção de clareza insinuante.

Não nos tocamos as mãos.

A mão procura, reta e louca,
E encontra, torta e solene,
A ave nascente, desplumada,
Sem canto,
No canto mudo em que a natureza a pôs,
Acomodada, mas em rebeldia,
No emaranhado do ninho,
Feito de fios de diversos nós.

Ornitólogo não sou,
Em amante nunca pensei
Ser de pássaros não canoros, silenciosos.

Liberto, enfim, da gaiola,
Sou eu o primeiro a voar,
Pés no chão, mãos à toa,
Pupilas abrindo-se na escuridão do dia,
Boca seca em fonte próxima,
Relva de espinhos que parecem de palha
A convidar para o descanso no feno.

Sigo, em viés, de alto a baixo,
Longitude, diagonal,
Sem um norte qualquer, sou sul,
Leste, Éden, oeste bravio.

Não falo, por princípio, de civilidade,
Em regras observadas à mesa, não falo.
Puxo a cadeira, mas só cedo o lugar
Por mera conveniência.
E se me sento, nao falo.

Volto a ler, cigano distante,
A palma orvalhada da minha sorte
E lavo meu destino no prazer.

E nego, fechado.
E abro, perplexo.
E não corro, covarde.
E fico: para onde ir?

Discuto filosofia com a espada.
Declaro guerra ao saber.
Sou astronauta e não olho a lua.
Colo estrelas na pele nua.
Desafio a resistência do contendor,
Crendo-me já fortalecido,
Como jamais houvera aparentado.

Até penso - será delírio? -
Em ter para mim um certo filho.
E rio...

Já é um mar o que nos separa!

Na pressa da corrida ao leito descoberto,
Gravam-se, na vegetação rasteira,
Fragmentos da roupa dispensada
E recolhida nessa ida...

Penso gritar que me esperes,
Que me leves, ainda que pesado seja,
Nesse mesmo barco teu,
Porque nadar eu não sei,
E sendo assim, como é que hei
De atravessar um temporal?

Céu sem nuvens, não vejo mais
O tal pássaro em muda,
Ficando eu com as mesmas penas,
Como se fora uma ave muito estranha
Ao paraíso de origem.

Desencanto!

Com o igual não-virar-se que me tocaste,
Foste sem te voltares.
Com passadas retas, equilibradas
Sobre a volta por exíguo caminho,
Não vacilo mais, não fraquejo,
Mas, ai!, que olhos indiferentes,
Em tudo o mais iguais aos que se foram.

Não se voltam: sigo.
Sigo: penso torto.
Se é reto, se é cego,
Se é mudo, se sou louco...
Eis-me de novo aprendendo a amar olhar.


CHICO VIVAS

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