Remexo velhos papéis...
E sinto, como se eles fosse,
O toque da mão a tocar.
E eu – e é bom lembrar
Que aqui já não sou
O que remexe papéis,
Mas os próprios, mexidos –
Sem poder me encolher
Àquele contato que não sei
Se me quer alçar
De velhos papéis e agora já
Uma nova ideia costurar
Com antiga linha de pensamento,
Ou o que tal mão quererá,
Isso não sei,
Tomando-me,
Lendo-me, talvez,
Reconhecendo letra passada,
Rima desusada,
Motivo adolescente,
Imaturas contradições,
Beijos imaginados,
Outros inimagináveis,
Constatando assim
O amarelado das páginas,
O cinza das horas passadas,
O vermelho costumeiro das paixões,
A palidez do rosto calmo,
O leve rubor da face solitária
No anseio de formar par
E não com uma outra, face sua,
Mas com uma face ainda oculta
E prestes a se revelar.
Não sei se a mão,
Assim então,
Só me tomará,
Sem sequer beber-me, verso a verso,
E sem cuidado mostrar,
Amassando-me,
Fazendo-me de bola
E, incivilizada, pela janela atirar,
Ou, polida, quem sabe,
A já treinada nesse esporte,
O de se desfazer de pretérita ideia,
Jogar-me, acentuando o alvo,
No cesto, no canto do quarto
Do apartamento
Do quinto andar.
Volto, agora, a ser eu mesmo,
E saio daquele lugar,
Lugar em que me pus,
Ocupando o papel dos papéis.
Volto a ter noção do que sou
E de ter controle da minha mão,
Que vai remexendo antiguidades.
Nesse contato, porém,
Um mecanismo dispara,
Acelerando o coração.
E falar dele, aqui,
Não traz boa reputação:
É palavra cansada,
Mesmo que em peito ainda novo;
É rima vulgarizada,
Mesmo que em troncos raros,
Exilados de madeiras nobres;
É palavra absurda,
Mesmo para ouvidos prudentes,
Porque hoje se vendo
Até mesmo a insensatez
Como charme da loucura,
Coroando a lucidez
Que se cobra de cabeças “escuras”
Que hão de se “esclarecer”...um dia.
O primeiro papel que pesca a mão,
E não se tem certeza
Se a mão é a linha que captura
Ou se o que fisga é o papel,
É justamente este aqui,
Este papel que aqui faço.
CHICO VIVAS