domingo, 1 de abril de 2012

SEM TEMPO PARA O TEMPO, DOU UM TEMPO



Encanto o tempo

Quando encontro tempo.

E fico eu, assim, encantado

Com algo que se pode contar

E dele não se pode nada dizer,

Como se fosse eu mesmo o tempo,

Com o que ainda posso contar,

Sem jamais a um total chegar,

Até ao contrário.

E esse meu lado avesso,

Esse meu pedaço de trás,

É o meu verso.

Todo eu confiado,

Sem provas, contudo,

Dessa fé – no quê? -,

Desfio uma prosa

Toda ela calculada

Não em frases corridas,

Mas em versos apressados:

E estes não-são, embora saudáveis,

Como o contrário de mim,

Eu tão avesso à prosa,

Sempre atrás da palavra;

Eles, na verdade, são a frente da frente

Da face do rosto

Dito à(s) c(l)ara(s),

Escondido, porém, pela máscara.

Ao encantar o tempo,

Com olhos hipnóticos, insones,

O tempo me encontrou

Desperto, sonolento,

E me contou, baixinho,

Ao pé dos meus ouvidos alto de homem baixo,

Seu segredo.

Encantado, no entanto,

Logo no sono caí

E só me levantei

Quando o sol sacudiu

O pó vermelho da aurora

Que me encheu os olhos

De semelhante irritação,

Cheia de bom-humor.

Esforço, e tanto, eu fiz

Para recuperar do tempo

Seu mistério a mim revelado.

Contei uma,

Contei duas,

Fui muito além das três.

Muitas vezes, enfim, contei,

Que prender o sono tentei,

Mas como areia presa à mão,

Que resiste nos entrededos,

Ele, a toda hora, me ia embora,

Justamente pelos dedos, pelo meio,

Que é o meio que a areia acha

Para sempre escapar,

Como o tempo também se esvai

Por entre eles,

Por entre nós,

Pelos nós dos dedos,

Pelos dedos, por nós.

Talvez seja por isso

Que resiste em mim

Essa teimosia em escrever

Com pena – não do tempo –

Entre os dedos,

Como para reter

Em cada palavra-grão de areia

O encanto que chega,

Que passa como vento,

Que chega e nunca para...

Num canto.

Se um dia for eu a dominá-lo,

Não o vento, que passa,

Mas aquele que passa também

E ao próprio vento faz rima,

Não quererei mais saber

De nenhum segredo fechado:

A quantas chaves?

Não quererei.

Se me for dado encontrar,

Dar de cara com o tempo,

Face a face assim,

Eu lhe virarei as costas,

Mostrando-me só por trás.

Quem sabe se assim, sem se mostrar,

Ele me cochicha de revés

Um verso, enfim, todo meu!

CHICO VIVAS

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