Encanto o tempo
Quando encontro tempo.
E fico eu, assim, encantado
Com algo que se pode contar
E dele não se pode nada dizer,
Como se fosse eu mesmo o tempo,
Com o que ainda posso contar,
Sem jamais a um total chegar,
Até ao contrário.
E esse meu lado avesso,
Esse meu pedaço de trás,
É o meu verso.
Todo eu confiado,
Sem provas, contudo,
Dessa fé – no quê? -,
Desfio uma prosa
Toda ela calculada
Não em frases corridas,
Mas em versos apressados:
E estes não-são, embora saudáveis,
Como o contrário de mim,
Eu tão avesso à prosa,
Sempre atrás da palavra;
Eles, na verdade, são a frente da frente
Da face do rosto
Dito à(s) c(l)ara(s),
Escondido, porém, pela máscara.
Ao encantar o tempo,
Com olhos hipnóticos, insones,
O tempo me encontrou
Desperto, sonolento,
E me contou, baixinho,
Ao pé dos meus ouvidos alto de homem baixo,
Seu segredo.
Encantado, no entanto,
Logo no sono caí
E só me levantei
Quando o sol sacudiu
O pó vermelho da aurora
Que me encheu os olhos
De semelhante irritação,
Cheia de bom-humor.
Esforço, e tanto, eu fiz
Para recuperar do tempo
Seu mistério a mim revelado.
Contei uma,
Contei duas,
Fui muito além das três.
Muitas vezes, enfim, contei,
Que prender o sono tentei,
Mas como areia presa à mão,
Que resiste nos entrededos,
Ele, a toda hora, me ia embora,
Justamente pelos dedos, pelo meio,
Que é o meio que a areia acha
Para sempre escapar,
Como o tempo também se esvai
Por entre eles,
Por entre nós,
Pelos nós dos dedos,
Pelos dedos, por nós.
Talvez seja por isso
Que resiste em mim
Essa teimosia em escrever
Com pena – não do tempo –
Entre os dedos,
Como para reter
Em cada palavra-grão de areia
O encanto que chega,
Que passa como vento,
Que chega e nunca para...
Num canto.
Se um dia for eu a dominá-lo,
Não o vento, que passa,
Mas aquele que passa também
E ao próprio vento faz rima,
Não quererei mais saber
De nenhum segredo fechado:
A quantas chaves?
Não quererei.
Se me for dado encontrar,
Dar de cara com o tempo,
Face a face assim,
Eu lhe virarei as costas,
Mostrando-me só por trás.
Quem sabe se assim, sem se mostrar,
Ele me cochicha de revés
Um verso, enfim, todo meu!
CHICO VIVAS