sábado, 1 de setembro de 2012

LEI DO SILÊNCIO



Os risos da madrugada,
As buzinas escancaradas,
Na face do meu verso insone
Concertam-se em desarmonia
Para me manter acordado,
Olhos atentos a todos os ruídos,
Procurando-os em meio à noite
Que muito já vai além da meia,
Cravando-os na escuridão
Como se acertasse direto no alvo,
Sem calcular da aurora seu preciso lugar.

A esmo, eu mesmo, sem rumo,
De ouvidos aguçados para sombras reais
Que passam, passeiam e voltam
Sem trazerem junto um corpo,
Como um corpo que passa,
Como um corpo que passeia,
Como um corpo que dá voltas
Sem uma sombra a seu lado
Ou lhe adiantando os passos,
Ou mesmo atrasada,
Atada a seus pés.

É só mais um dia à noite!
É só mais uma noite tardia!
É só mais um felino esgueirando-se
Rente aos muros, olhando-o
Bem alto,
Experimentando com os olhos
O pulo que o elevará,
Mas, covarde, não sai do lugar,
E ainda caminha,
Estreitando-se à parede,
E só quando dá de cara
Com um buraco naquele muro,
Arrisca-se a atravessar,
Encolhendo-te aqui,
Para alongar-se acolá.

Porém, do outro lado
É igual ao lado de cá,
Com muros altos que ele olhará,
Com pernas curtas que arranjará
No ponto certo para o pulo enfim dar,
E termina ficando onde está,
Insinuando-se, colado à cerca,
Até novo buraco encontrar,
Passando assim para o lado de lá
Que é semelhante a este lado de cá.

Nisso, o sol se achega
Como se atravessasse um buraco,
Saindo do escuro de algum lugar
Para o claro do lado de cá,
Revelando, assim, com clareza,
Que o gato medroso a passear,
Ameaçando o muro subir sem nunca pular,
É um homem, só isso, querendo saltar,
Olhando os riscos que há
Nos risos da madrugada,
Com buzinas explodindo em sua face,
Escancarando o verso que é
Disto aqui um outro lugar,
Deste cá o lado de lá,
Como uma moeda de única face,
Com cara, mesmo se rei, sem coroa, mesmo se rainha,
Com verso sem rima,
Como de uma noite não dormida
Da qual há-de despertar,
Espreguiçando-se,
Sorrindo ao sol,
Olhos ainda noturnos,
Fingindo que tudo está no lugar,
Enganando-se de que está aqui,
Quando ainda está do lado de lá,
Ou crendo-se ainda por lá,
Quando sequer saiu do próprio lugar.

À janela, aos risos.
À madrugada, aos olhos.
À janela, ao verso.
À buzina, ao silêncio.
À face...insone.

CHICO VIVAS

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