Dizia isso tudo por fora,
E ria ainda mais
Ao pensar
Se “ria” não seria,
Palavra que é,
O feminino rio,
E assim, ao sorrir, sorria,
Como se enchesse a boca de mar.
Como, porém, mar e sal,
Não suportando tal paladar:
E cuspo fora o sal, o paladar,
E com ele também sai
De mim o mar.
E já não sorrio,
E fico a me perguntar
Que mistério tem a palavra
Para tanto assim significar.
Quando uma boca,
Tal qual a palavra banal,
Comum à língua diária,
Já por muitas bocas passou,
Ainda fala palavras suas
Ou sua para falar
Uma palavra mais original?
Copia na sua outra boca,
Trazendo os riscos da língua alheia,
Falando palavras que não sente
E até sentindo sinceramente
Palavras que desconhece?
Sei que quando a minha
Encontra enfim a tua,
Minha e tua são só,
Embora já sejam duas,
Dois pronomes possessivos.
Sei que quando a minha
Língua
Roca à toa uma oura,
A tua,
A boca como um rio
E não me dou por satisfeito
Com essa barriga d’água.
E embora nesse instante eu não sorria,
Sou um mar de palavras minhas
Numa baía de ardentes nus.
Já não sou dono de mim,
“Meu” próprio pronome possessivo.
Até meu pronome predileto,
Tu,
Não é possessivo:
É “algo pessoal”
De um “caso” que,
Oblíquo,
Não se curva.
CHICO VIVAS