quinta-feira, 1 de março de 2012

TIRA-MANCHAS



O olhar é puro, mas a mancha é clara.

O olho tão claro trai, claramente, a mancha.

A mancha não está no olho, claro,

Olho que, ainda assim, enxerga manchas

Mesmo onde manchas não há,

Mesmo sendo claro,

Mesmo sendo puro,

Por puro capricho do olhar.

A mancha está nos olhos

De quem olha para tão claros olhos.

Mas, como,

Se a mancha não está nos olhos

Claros, puros?

É que um olhar assim,

Ainda que no escuro,

Não disfarça a mancha

Que ali se reflete

Como se os olhos fossem

Um espelho calculado,

Fracionado em tantos pedaços,

Pelo corpo espalhados

E sempre todos voltados

Para aqueles olhos claros,

Reproduzindo ali,

Aos olhos de quem os vê,

As manchas que há –

Menos no olhar,

Tão puro, claro!

Quando os olhos se fecham,

Quem os olhava não vê mancha,

Mas quem era visto,

De olhos claros,

Talvez enxergue,

Se não uma mancha,

Pelo menos um espelho;

Alguns cacos, outros pedaços,

E flagre em um deles

A sombra escura de uma mancha clara:

Puro capricho do espelho quebrado.

E ao, novamente, abrir os olhos,

A mancha que viu

Se refletirá agora no olhar:

Ou será que este, claro,

Puro permanecerá?

Se a mancha assomar a olhos vistos,

Assombrará?

Ou, claro, será vista apenas

Como uma nuvem passando

Ao largo do céu azul,

Como se os olhos fossem

Um céu todo espelhado,

E a mancha passageira,

Uma nuvem costumeira?

E se a mancha tomar os olhos,

E quem os via tão puros

(claro, porque nada mais via

do que olhos tão claros)

Vir agora apenas um escuro

Tão grande, claro, que toma os olhos,

Como se nuvens se juntassem

E tomassem, de assalto, o céu azul,

Como um espelho que o tempo,

Sem polidez,

Destruiu,

Destruindo sua face tão clara,

Pontuando-o com pausa

De manchas escuras, claro:

Se assim for, o que será?

O que será do olhar tão puro?

O que será da mancha, claro,

Tão escura desse olhar tão calmo?

Digo eu que era,

Essa mancha escuro-clara,

Um borrão sobre meu peito puro,

Bem do lado do coração tão calmo,

Vinda de uma pena encharcada

De tanta tinta que,

Como nuvem escura, claro,

Em chuva se desdobrou.

Se com leite arranco a mancha,

Em que peito sorvo esse leite?

Se com essa mancha engano a todos

De que tenho esses olhos tão claros,

Se olho fixamente o céu bem puro

Para refletir sobre um claro que não é meu,

Se claro, escuro, puro e calmo,

Se escuro, por que não puro?

Se calmo, por que não pulo?

Se claro, por que não-mancha?

Se mancha,

Se manche,

Se avião,

Se céu,

Se seu,

Se o tolo é mais esperto do que eu,

Há de já ter percebido,

Desde a primeira mancha aqui,

Que sou irreversivelmente escuro,

E nem sequer cogitou me olhar,

Por puro capricho

Ou porque sabia

Que a mancha que tinha, escura,

Era, claro, só uma pena,

Apenas,

Para escrever,

Com letras escuras...

Por puro capricho.

CHICO VIVAS

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