Teu corpo, almofadas confusas
Para minha cabeça negra, olhos antigos,
Afunda sob o peso da carne nova
E sobe...como maré que avança.
À sua iminente quebra, nas pedras,
Faço-me rocha, duro na queda,
Mantenho-me firme, confiante em mim,
Mas não descruzo os dedos.
Deixo-me, pedra, coração mole, lavar,
Só não me deixo, água, levar.
Fico encharcado,
E desejo um charco.
Porém, só me ofereces,
Em lugar da lama desejada,
Água benta
Já suja dos teus améns...
É isso! Que assim seja!
Um dia, farás, confuso,
Dessas tuas almofadas corpos tecidos
Com fantasia quadrada,
E nelas,
Ao custo de um recheio sem doce,
Deitarás como minha tua própria cabeça,
Num contorcionismo sem graça,
Porque se dobra sobre si mesmo
E não se desdobra sobre um outro:
Corpo.
Porque, em vez de mostrares
Teu corpo entrando em outra fantasia,
Só exibirás almofadas afundadas,
Como um baixo-relevo de cabeças
Que, um dia, em teu corpo “pensaram”,
Pensando que assim o curvavas,
Pensando que assim o curtias
Como couro bem trabalhado
Com o qual, se não se fazem almofadas
(ainda que isso seja possível),
Se constroem belas fantasias,
Mesmo que em contorções costumadas.
Isso tudo sem pesar os prós,
Contra todos os contrários
E a favor, tão-só, do vento leste
Que sai da tua boca em suspiros,
Desejando
(que água na boca, meu Deus!)
Que suspiros não saiam:
Entrem-te goela adentro,
Entretendo tua língua
Que ora vai ao céu
Arrancar fragmentos de suspiros,
E ora
(que diabos!)
Acabou-se o que era doce.
E tais suspiros mordidos
Revelam que não têm nada por dentro,
Nada a dizer, todos bem aerados
Como se fossem uns cabeças-de-vento.
Tão nada que, se se os morder,
Morde-se neve não gelada,
Gélidas claras batidas com a mão,
Porque eletrodomésticos
Até podem ser boas batedeiras,
Mas fazem tudo muito rapidinho,
Enquanto que com a mão: não!
Mesmo que disso tudo ela saia
Como se se despedisse de um trabalho sujo,
Embora sem marcas indeléveis,
Até mesmo fugazes essas marcas
Na lembrança das fantasias.
Então, que se batam as claras,
Às claras ou num agradável escuro,
Sem toque-toque na porta,
Com suave gostinho de limão,
Em raspas,
Aroma verde de cascas rapadas,
Como almofadas sem pelos,
Como peitos bem recheados,
Tanto de doces suspiros
Quanto de salgadas águas
Que dos olhos se ejetaram
E vieram se intrometer no meio
Destes versos sem nenhum sabor,
Insípidos,
Insistentemente cúpidos nas entrelinhas,
Ainda que andem tão na linha
Que parecem um trem danado de bom
Essas almofadas vagas,
Esses vagões acolchoados
De um trem-bala
Em que não se encontram suspiros
E nem mesmo
(que trem é esse?!)
Uma balinha que rola na boca.
E como nas longas viagens,
Mesmo nas que, de relógio, durem tão pouco,
Ainda que, na memória, infinitas jornadas,
Precisa-se em alguma hora
Se apoiar a cabeça num lugar macio.
Tendo almofada à mão,
Hei de preferir teu corpo a meus pés.
E piso.
E teto.
E entre o mais baixo de nós,
Que nem precisa ser eu,
E o mais alto de todos,
Há um recheio de desejos.
Se te piso, sou ex-mago,
Já sem poderes de varão,
Com varinha alquebrada.
Se te teto, vou às alturas,
Desequilibrado como eu só,
Como criança que se ocupa
Em apoiar uma cadeira sobre a outra,
E são muitos os assentos,
Como é única a almofada,
Só para alcançar, no alto,
Ainda bem abaixo do teto,
Um pode de suspiros:
Que não alcançará
Porque as cadeiras caem em cadeia,
Deixando(-me?) com um pote de mágoas nas mãos.
E, então, no chão já,
Lavo as mãos
Para sujá-las outra vez
Batendo claras calmamente,
Sem pressa para fazer neve,
Vendo aumentar o calor,
Ansioso pela primavera.
Verão!
Só não veem porque não mostro,
Para fingir que ainda babo por almofadas.
E eu só suspiro!...
CHICO VIVAS