terça-feira, 1 de janeiro de 2013

TRÁFEGO AÉREO




À noite,
Cego como me faço,
Bato-me contra um pássaro
Estrábico
Que estilhaça meus olhos
Baços,
Opacos,
Como se fossem
O para-brisa de um carro,
Molhado,
Encharcado
De recente névoa

O tal pássaro
Não tem penas,
Mas também não é calva ave.
Ele não tem
Pena de mim também.
Ele é de aço.
Já meus olhos truncados,
Abertos,
Quebrados em mil pedaços,
Ainda todos juntos,
Vêem agora o mundo em volta
Como círculo empenado,
Quase quebrado.
E quando olho o vazio,
O vazio partido,
E se tomo meu próprio partido
E reclamo do pássaro,
Meu outdoor alaranjado,
Voo vadio,
E minha voz se esvai
No vácuo macio
E não se propaga,
Resta-me então
Vagar pelo cheio desta vida,
À noite,
Ou mesmo de dia,
Cobrindo os olhos
Com as mãos inteiras,
Cheia de dedos,
Com medo de que um avião,
Emplumado,
Aprumado,
No auge do seu cansaço,
Choque-se sem baque
Contra mim
E eu lhe quebre o pára-brisas
E não tenha como pagar,
A menos que arranque meus próprios olhos:
Mas o que ele haveria de fazer
Com esses meus olhos fendidos?
Ao voar alto veria
O mundo todo de cima
Como um mosaico,
Um quebra-cabeça maluco.
E eu,
À noite,
Meio tonto,
Perdida a cabeça:
Como ele me veria?
E eu,
De dia,
Ainda meio tonto,
Cabeça vazia:
O que seria?
E se eu,
Enfim, acordasse,
Sensato e com razão,
Com a cabeça no seu devido lugar:
De que me adiantaria?...
Se nem relógio eu uso,
Se não posso (me) atrasar:
De que adiantaria?...
Se não posso ver
Um pássaro à minha frente,
Assim,
Se olhos quebrados,
Num acidente noturno,
Quando um choque
Entre mim e o pássaro
Fez-me cair na armadilha,
Como ele cai no laço,
De confundir o sonho
Com a devida realidade,
Nessa idade em que
Só sonho
À noite
Porque de dia,
Viajo
Nas penas de um avião
Que voa em busca
De ares mais quentes,
Fugindo dos invernos:
Se se desviar de sua rota,
Chegará aos infernos...

E onde terras mais “ardentes”?


CHICO VIVAS

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