sexta-feira, 1 de março de 2013

AGUACEIRO



Que chuva que cai!
E você no meu corpo sobe,
escala-o sem patamar
e isso me surpreende,
e isso me faz pensar,
embora não devesse ter cabeça
a não ser para a chuva que cai,
que você subindo em mim
e tão improvável quanto seria
uma chuva que não cai
e cujos pingos se elevam
como se da terra molhada
chovesse direto para o céu.


Mas a chuva cai
e alto você já vai,
tanto que já me perco
e não sei por onde mais
poderei voltar ao solo
depois desse muito ascender,
sem frio, que seu corpo não deixa,
com calor que me deixa seu corpo.


Pensando melhor, percebo;
percebo, mas não penso agora
que quando a chuva cai,
ela forma poças rasas
ou inunda as ruas demais,
então vem o sol,
porque ele vem uma hora ou outra,
e seca,
seco e objetivo,
e isso é como a chuva que não cai
e que sobe para os céus
em vapores condensados,
como é você me alteando,
alternando chuva e sol,
ora cansando, vapor,
ora vacilando, torpor.



E um fantasma começa a surgir.


E se a chuva que cai
e que depois há de subir
não passa do céu,
não sei onde você vai parar
com esses céus dentro de céus
e esse não mais acabar
de olhar alto cada vez mais
para ainda mais alto
querer alcançar,
levando-me junto.


E se a chuva cessar?
pensei isso agora:
será que você vai descer?
e as descidas são sempre mais rápidas:
isso há muito eu já sei,
porque se há chuvas que caem
e se apagam lentamente,
há outras chuvas que caem
e passam rapidamente.


Você: descerá bem veloz
ou me trará calmamente
ao chão do qual me levou
a alturas jamais exploradas?
Isso só hei de saber
quando de todo a chuva passar
ou quando você, displicente,
pegar o guarda-chuva que trouxe,
olhar para o céu a buscar
se resta sinal de chuva ali,
e ir-se, guarda-chuva fechado.


Se no meio do seu caminho
o tempo outra vez mudar
e de novo uma chuva cair,
será fácil para você:
basta abrir o guarda-chuva
para a chuva deixar de te molhar.
Mas, e eu?
Se a chuva voltar a cair,
sozinho, sem você,
como farei para subir?
Sozinho, sem você,
só me restará torcer
para a chuva cessar,
e não para que não alague as ruas
e esses rios o traguem de vez,
mas só para aplacar meu desejo
de continuar subindo, subindo...
como uma chuva que não cai,
e só sobe como se
do chão chovesse para o alto.


Em último caso,
se não voltar a chover,
tomo na mão o regador
e vou as flores regar,
deixá-las belas, viçosas,
embora não as queira colher.




CHICO VIVAS

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