sábado, 1 de novembro de 2014

MOBILIÁRIO


Teu corpo, almofadas confusas
para minha cabeça negra, olhos antigos,
afunda sob o peso da carne nova
e sobe...como maré que avança.

À sua iminente quebra, nas pedras,
faço-me rocha, duro na queda,
mantenho-me firme, confiante em mim,
mas não descruzo os dedos.

Deixo-me, pedra, coração mole, lavar,
só não me deixo, água, levar;
fico encharcado, e desejo um charco,
mas só me ofereces em lugar da lama,
água benta já tão suja com teus améns:
é isso,
que assim seja!

Um dia farás, confuso,
das tuas almofadas corpos tecidos
com fantasia quadrada
e nelas,
ao custo de um recheio sem doce,
deitarás como minha a tua cabeça,
num contorcionismo sem atrativos
porque se dobre sobre si mesmo
e não se desdobre sobre outro corpo,
porque em vez de mostrares
teu corpo entrando em outra fantasia,
só exibirás almofadas afundadas,
como um baixo-relevo de cabeças
que um dia em teu corpo "pensaram",
pensando que assim curavam-no,
pensando que assim curtiam-no
como couro bem trabalhado
com o qual se não se faz almofadas,
ainda que seja possível,
constroem-se belas fantasias,
mesmo que em contorções costumadas.

Isso tudo sem pesar os prós,
contra todos os contrários
e a favor tão-somente do vento leste
que sai da tua boca em suspiros,
desejando -que água na boca!-
que suspiros não saiam,
entrem-te pela goela adentro,
entretendo tua língua,
que ora vai ao céu
arrancar fragmentos de suspiros,
e ora, que diabos!,
acabou-se o que era doce.

E esses suspiros mordidos
revelam que não têm nada por dentro,
nada a dizer, todos aerados
como se fossem uns cabeças-de-vento;
tão nada que se se os morder,
morde-se neve não gelada,
gélidas claras batidas...
com a mão,
porque eletrodomésticos
podem ser boas batedeiras,
mas fazem tudo muito rápido,
enquanto que com a mão: não!,
mesmo que disso ela saia
como se se despedisse de um trabalho sujo,
embora sem marcas indeléveis,
até mesmo fugazes essas marcas
na lembrança das fantasias.

Então, que se batam as claras,
às claras ou às escondidas,
sem toc-toc na porta,
com suave gostinho de limão,
aroma verde de casca raspada,
como almofadas sem pelos,
como peitos bem recheados,
tanto de doces suspiros
quanto de salgadas águas
que dos olhos se ejetaram
e vieram se intrometer no meio
destes versos sem sabor,
insípidos,
insistentemente cúpidos nas entrelinhas,
ainda que andem tão na linha
que parecem um trem danado de bom
essas almofadas vagas,
esses vagões acolchoados
de um trem-bala
em que não se encontram suspiros,
e nem mesmo bala -que trem esse!

E como nas longas viagens,
mesmo nas que, de relógio, duram pouco,
mas que na memória, infinitas jornadas,
precisa-se em alguma hora,
apoiar-se a cabeça num lugar macio,
tendo almofada à mão,
hei de preferir teu corpo aos meus pés.

E piso.
E teto.
E entre o mais baixo de nós,
que nem precisa ser eu,
e o mais alto de todos
há um recheio de desejos.

Se te piso, sou ex-mago,
já sem poderes de varão,
com varinha alquebrada.
Se te teto, vou às alturas,
desequilibrado,
como criança que se ocupa
em apoiar uma cadeira sobre a outra,
e são muitos esses assentos,
como é única a almofada,
só para alcançar no alto,
ainda que bem abaixo do teto,
um pote de suspiros
(que não alcançará
porque as cadeiras caem,
deixando(-me) com um pote de mágoas).

E então, no chão,
lavo as mãos
para sujá-las de novo
batendo claras calmamente,
sem pressa para fazer neve,
ansioso pela primavera.

Verão!...só não vêem porque não mostro
para fingir que ainda babo por almofadas.



CHICO VIVAS

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