domingo, 1 de novembro de 2015

ALUADO





Dama da noite, vagabunda,
Ou como quer que chamem
À lua, à prostituta
Que se vende em quaisquer quartos
De lua,
De “lua” que nem toda prostituta pode ser,
Porque os seus fregueses não aturam
Os caprichos de suas fases,
Reservados às damas,
Mesmo que se vendam,
E talvez porque só negociam
Em quartos caros
A “prata” do dia;
Lua que cresce ou diminui
Em troca do troco miúdo
De um poeta torto,
Escapado do tonel do tempo
Em que estava, envelhecendo, fechado,
Ou dos miúdos ainda menores
De um bêbado que não pode esperar
Que o tempo envelheça,
Ponto ideal de todo prazer de beber,
Para ser o que é,
Ou ainda de um adolescente tardio,
E tardio não porque
Ainda pensa em lua,
Mas por, adolescente,
Não se ter arriscado
Em outras inspirações,
Preferindo a segurança
Das do bêbado trôpego,
Das do poeta lacrado
Num túnel sem saída,
Sem ao menos tirar daí,
Já que não pode daí sair,
Uma inspiração mais “concreta”,
Que construa seus versos
Em forma de lua,
Com a vantagem minguante
De, cheia ela,
Fazer versos redondos;
Quando crescente,
Arredondá-los para o minguante;
Quando assim, aguados versos,
Inventar uma poesia nova,
Para a nova fase da lua
Que, concreta,
Desenhará um vazio.
Mas, nada!

E em zonas empobrecidas,
Em quartos minguados,
A troco de prata miúda,
Ainda se julga feliz essa lua,
Se ao seu nome argentino lhe colam
Uma nova palavra tardia.
Para essa lua:
Nua - roupa puída,
Crua – improvável sabor,
Tua - parente falso.

Quando se dá por satisfeita,
Em sua fase mais plena,
Acha-se inteira dona do pedaço,
Como se o céu fosse só seu,
Sozinha na ausência do sol,
E afaga estrelas ainda iniciantes
Em experimentar caprichos adolescentes,
A ponto de achar um poeta tonto,
Uma bebida nobremente envelhecida,
Ou de achar um bêbado inspirado
Um poeta concreto.

Se lhe chamam (de) “lune”,
Isso lhe acende uma luz
Que logo se perde na cidade
Já carregada...
De lune,
De luz,
De poetas,
De bêbados,
De estrelas,
De iniciantes,
De prostitutas,
De damas.

Se lhe chamam (de) “moon”,
De um jeito “light”,
“serenade” ao luar,
mas isso não lhe rende, moon,
mão-de-vaca seus miúdos fregueses,
sequer uma serenata.

Podem lhe chamar (de) “luna”.
E pode-se tentar,
E pode-se assim continuar,
Até a língua secar,
Até as línguas secarem,
Até os idiomas morrerem,
Mas tudo isso, isso tudo,
E por demais banal:
“princesa do céu”,
“outro lado do sol”,
“olho que chora sobre o mar”,
“vigilante dos amantes”.
E o amor, logo ele,
De todos o mais comum,
É o que mais falta lhe faz,
Até mais do que os miúdos,
Quando lhe faltam trocados,
Até mais do que os bêbados mudos,
Quando lhe faltam poetas calados,
Até mais do que concretistas redondos,
Quando lhe faltam adolescentes arredios.
E quantos deles já viu passar
Por sua vida,
Por seu quartinho,
Por sua cama,
Por seu corpo,
Por seu coração
(e olha que a grandeza decrescente
é só uma impressão
que pode virar de cabeça para baixo),
Sem nada deixarem,
Senão uns trocados:
Passos, no caso do bêbado;
Senão uns miúdos:
Versos, no caso do poeta;
Senão uma moeda:
Desenho redondamente vazio,
No caso concreto;
Senão um amor iniciante,
No caso do adolescente,
Mas que já nasce tardio.





CHICO VIVAS

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