sexta-feira, 1 de maio de 2015

FIAT LUX





O excelso homem ascendeu,
Finalmente,
Aos céus.
Mas como chegou de surpresa,
Não havia luz a sua espera.
E assim o homem elevado
Levou, com disfarce, a ponta do dedo
À boca sua que sorria amarelo;
Molhou-a com a ponta da língua,
Acendendo o dedo
E deixando, ali, avermelhada,
A chama de uma palavra náufraga.
Uma dessas da qual não se sabe
como se salvou da água de sua boca,
Num daqueles dias intensos
De tempestade de desejos,
Quando se olha, olha...
E é a boca que responde.

Então, com essa lanterna improvisada,
Foi abrindo caminho nas trevas:
Mas como, não estava no céu?
E que faz ali essa escuridão
Que é a luz dos infernos?


Sem sinalização adequada
Ou encoberta pelas nuvens
Que crescerem desordenadas,
Como mata avançando pelas margens
E devorando a estrada,
Ele errou de caminho.
Supôs que subindo sempre,
Indo para cima sem parar,
Mais cedo ou mais tarde,
Que o tempo aí (e aqui) já não importa,
Era no céu onde desembarcaria,
Já que sempre soube de ouvir falar
Que o inferno, ínfero, é reino de baixo,
E como, então, poderia pensar
Que esse antônimo dos prazeres,
Que não é sinônimo de Antonio dos Prazeres,
Era só uma pista vicinal
Ao sinônimo de tudo aquilo
De que o antônimo é o contrario?
E ainda, que mal pergunte,
Que se pergunte a si,
Não é lá, com mil demônios!,
Em que o fogo é eterno
E as labaredas se elevam tanto:
E como esse homem chegou a tanto?
Por que não tomou - ou roubou,
Que ali diferença não faz -
Uma chama para clarear
Seus passos na trilha escura,
E precisou lamber o dedo
E com água da boca acender seu pavio,
Com o fluido de uma palavra tão rubra
E que com braçadas bem ágeis
Livrou-se de ser engolida,
Como, aliás, tantos dos seus desejos?

Onde fica a saída?, pergunta.
Onde entro para poder sair?, repete.
Onde está o céu que me espera?, insiste.
E não há ninguém para lhe responder.

O homem que subiu tão alto
Chegou ao mais baixo de si,
E não por ter se adiantado
Pelas portas - e portas aí não há - do inferno,
Mas por ter trocado o desejo vivo, rubro,
Pelo simples e cândido olhar;
Por ter-se satisfeito em desejar
E na boca muita água acumular,
Crendo que assim subia
Lentamente os degraus,
E que mais dia menos dia,
Nessa vida de misérias,
Ao céu chegaria.

Mas errou de caminho
E foi no inferno parar.
A bem da verdade, já havia
Bem antes errado de caminho,
Quando ainda nem subia;
Foi desde então que aprendeu
- e não se lembra de quem lhe ensinou -
a acender a ponta do dedo
Com a saliva da ponta da língua,
Eximindo-se de provar
O fogo de outra boca.
E agora, vejam só!,
É só fogo o que há,
Mas nenhuma “boquinha” achará.

Que céus, que nada!
Que inferno! Eis tudo.
E sua técnica, a de querer
Só com os olhos desejar,
Parou de funcionar,
A ponto de sequer conseguir
Aquela chama apagar,
O fogo do dedo aceso na língua,
Vendo tudo naufragar.



CHICO VIVAS

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