segunda-feira, 1 de junho de 2015

GÊNERO




 

Vejo tuas garras e não desconfio das unhas,
mas sei que é homem, encontrada fera:
onde um fio, bigode penteado,
onde patas, um toque de animalidade,
onde cauda curta, rabo avantajado,
onde curvas, reta perseverança,
onde retas, pura observância
dos caminhos que se desviam
de uma trilha já costumada
a ponto de trazer em si, riscadas,
pistas dos pés, patas a quatro,
pelo caminho reto
(e se ele curva, retifica a fera)
sem balançar, discreta, a causa
(homem sem rabo preso)
mas ocultando as garras
e só mostrando as unhas esmaltadas
e o bigode tão bem aparado
que dele só aparece,
nesse emaranhado de palavras,
um único fio, viril, comportado,
hirsuto, tratado,
e lá pelas tantas,
depois de toda essa pataquada,
vindo a fera, homem predestinado,
seguindo sua trilha, esse trem-de-fera,
ora vejam lá!
ora, e não se pode ver só
porque quem vem lá,
atravessando o caminho do homem,
deixando-lhe, interceptado, uma fera,
é uma fila de patas atravessando a estrada,
e não apenas quatro essas patas,
e talvez por serem tantas,
ruidosas vêm, com pataquada,
vendo a fera selvagem tornar-se
mansinho homem civilizado,
parando, com olhos que não escondem
a barbárie em vermelho insistente,
para que inocentes passem
todas essas patas em branco,
sem sentirem culpa
por terem parado o destino
de um homem que leva seu rabo adiante,
na cauda dos seus próprios passos,
agarrado à esperança
(nem que para isso tenha, escandaloso,
de esmaltar as unhas, esverdeadas)
de ver seu fio, um bigode basto,
transformar-se em bigode, fio sem laço
com a mais dura realidade.
Passadas as patas,
de novo o homem, novamente a fera
olhando para os lados só para ver
se outra vez terá de parar
ou se desta, agora vai,
vai caminhar com passo de pata,
gingando seu corpo num ritmo fanhoso
de homem reto -um dia curvo,
de fera curva -um dia curvada,
de fantasia quebrada -um dia...
um único dia e já fantasia completa,
consertada,
carente, no entanto, de orquestração adequada
que faça, fera, homem mais rebolado,
sem temor de ter de empenhar,
para garantir a fera que é,
um solitário fio de bigode.


Dança, homem, ao som da fera!
Fica de quatro sobre as patas!
fica sobre duas patas, gozando
toda essa pataquada
(com espasmos fanhosos
que formam uma orquestra afinada)
que insiste em dizer
os nomes próprios com substantivos abstratos,
sendo obrigado uma hora
a parar, civilizado,
para deixar passar, uma fera,
uma fila de sentidos desconcertados
ou umas patas -que isso seja!
Um homem que devore
um homem ou quatro feras,
ainda na mesma estrada
do que não é, levando avante,
ao que é, que nunca chega.

Se me curvo, íntima fera,
à realidade de homem,
retifico o que era errado
e erro assim no acerto,
atraindo a ira do maestro.


Se de quatro, a batuta...
Se de três, a bengala...
Se de dois, tudo muito reto...
Se só eu, um solitário...
Se menos ainda...uma fera.




CHICO VIVAS

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails

Arquivo do blog