terça-feira, 1 de setembro de 2015

ILUMINAÇÃO PÚBLICA



Quantas ruas tem o inferno?

Sei só que nelas não há postes
encimados, como todos os postes,
por lâmpadas doces.

Não que sejam ali proibidas,
num reino que se julga escuro,
findo o julgamento final,
em mais um filme de tribunal;
é que, lá, tudo acontece, às claras,
por, “justamente”, ali, ser tudo claro,
e tanto que lâmpada alguma serviria
para algo de novo esclarecer.
Assim, postes seriam só
a vertical arquitetura do enfeite:
e para que enfeitar esse lugar
onde reina a vaidade
e tê-la é o que é
a maior das humildades:


As ruas se cruzam e há
esquinas e vielas,
mas ao contrário do que sugerem
esses nomes misteriosos,
sombrios, escondidos, dissimulados,
são espaços tão iluminados
como as ruas principais
de um reino de vivas vaidades.

E desnecessário seria
que houvesse reentrâncias,
grutas e desvios
onde não há mais do que se fingir,
pois o fingimento viria a ser
a maior de todas as verdades:
e esta,
sem lugar ideal para se esconder,
viria à luz - só por dizer -
e, revelada a farsa,
expulsa do inferno seria.
Que vergonha!
Logo de lá, onde governa a sinceridade,
onde ruas há,
onde lâmpadas não há,
onde há luz,
e luz sempre haverá,
onde para-sempre é seu lugar,
onde nada se acabará,
onde tudo não é nada
comparado à rua maior,
do tamanho da maior palavra
que se puder imaginar
para se contar, de um golpe só,
de um fôlego, sem hesitar
o número de ruas que em mim há!...

Eu, que me sinto tão estranho!
tão estranho ao passar
sob um poste com lâmpada acesa,
porque é tão desnecessário:
maior vaidade não haverá?


CHICO VIVAS

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