
Calei.
Emudeci.
Fechei-me em mim.
Vesti roupa apertada.
Casei todos os botões.
Levantei a gola.
Desci a bainha.
Apertei o cinto.
Entrei numa caixa
e ela foi lacrada.
A caixa, mandei pôr num tonel,
que foi tampado,
que foi vedado.
O tonel, ordenei
que um barco levasse;
e ao mar,
nada mais pude ordenar.
Mesmo assim,
o barco chegou ao seu lugar:
uma montanha isolada,
com uma gruta estreita,
do diâmetro do tonel.
Empurraram-no para dentro
e, com pedras por fora,
separei-me do mundo.
O coração que, apaixonado, batia, dentro da roupa,
dentro da caixa,
fechada num tonel,
escondido num extinto vulcão,
batia alto.
Reverberava na minha nudez,
no meu silêncio sepulcral;
agigantava-se em seu soar;
e tão forte já ficava,
que o soar de trovões
era como um coração...
que apenas bate...
sem paixão.
Não suportei: ensurdeci.
E ao não mais ouvir
o meu coração tilintar,
duvidei de mim.
Naquele ermo em que me meti,
nada mais vi
e duvidei de mim.
A falta de ar tirou-me o olfato
e duvidei de mim,
Minha boca seca
gosto nenhum sentia
e duvidei ainda mais.
E como ninguém me tocava,
descri de tudo.
Em nenhum momento, porém,
deixei de acreditar, de coração,
naquela minha paixão.
E na cabeça já quase vazia,
um pequeno ruído resistia,
como um coração a bater:
e quanto mais eu pensava,
mais seu som aumentava
até beirar o insuportável.
Quis romper os meus invólucros:
quis sair da montanha,
sair do barco,
sair do tonel,
sair da caixa
sair da roupa apertada -
sem cinto,
sem bainha,
sem gota,
sem botões -,
quis sair de mim.
Mas, temi que, de volta à vida,
meu peito,
mesmo cheio de paixão,
não me fizesse ouvir mais nada:
e então...
e iria duvidar de quê?
CHICO VIVAS