segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

FIAT LUX



O excelso homem ascendeu,
Finalmente,
Aos céus.
Mas como chegou de surpresa,
Não havia luz a sua espera.
E assim o homem elevado
Levou, com disfarce, a ponta do dedo
À boca sua que sorria amarelo;
Molhou-a com a ponta da língua,
Acendendo o dedo
E deixando, ali, avermelhada,
A chama de uma palavra náufraga.
Uma dessas da qual não se sabe como
Se salvou da água de sua boca,
Num daqueles dias intensos
De tempestade de desejos,
Quando se olha, olha...
E é a boca que responde.

Então, com essa lanterna improvisada,
Foi abrindo caminho nas trevas:
Mas como, não estava no céu?
E que faz ali essa escuridão
Que é a luz dos infernos?


Sem sinalização adequada
Ou encoberta pelas nuvens
Que crescerem desordenadas,
Como mata avançando pelas margens
E devorando a estrada,
Ele errou de caminho.
Supôs que subindo sempre,
Indo para cima sem parar,
Mais cedo ou mais tarde,
Que o tempo aí (e aqui) já não importa,
Era no céu onde desembarcaria,
Já que sempre soube de ouvir falar
Que o inferno, ínfero, é reino de baixo,
E como, então, poderia pensar
Que esse antônimo dos prazeres,
Que não é sinônimo de Antonio dos Prazeres,
Era só uma pista vicinal
Ao sinônimo de tudo aquilo
De que o antônimo é o contrario?
E ainda, que mal pergunte,
Que se pergunte a si,
Não é lá, com mil demônios!,
Em que o fogo é eterno
E as labaredas se elevam tanto:
E como esse homem chegou a tanto?
Por que não tomou -ou roubou,
Que ali diferença não faz-
Uma chama para clarear
Seus passos na trilha escura,
E precisou lamber o dedo
E com água da boca acender seu pavio,
Com o fluido de uma palavra tão rubra
E que com braçadas bem ágeis
Livrou-se de ser engolida,
Como, aliás, tantos dos seus desejos?

Onde fica a saída?, pergunta.
Onde entro para poder sair? repete.
Onde está o céu que me espera? insiste.
E não há ninguém para lhe responder

O homem que subiu tão alto
Chegou ao mais baixo de si,
E não por ter se adiantado
Pelas portas -e portas aí não há- do inferno,
Mas por ter trocado o desejo vivo, rubro,
Pelo simples e cândido olhar;
Por ter se satisfeito em desejar
E na boca muita água acumular,
Crendo que assim subia
Lentamente os degraus,
E que mais dia menos dia,
Nessa vida de misérias,
Ao céu chegaria.

Mas errou de caminho
E foi no inferno parar.
A bem da verdade, já havia
Bem antes errado de caminho,
Quando ainda nem subia;
Foi desde que aprendeu
-e não se lembra de quem o ensinou-
a acender a ponta do dedo
Com a saliva da ponta da língua,
Eximindo-se de provar
O fogo de outra boca.
E agora, vejam só!,
É só fogo o que há,
Mas nenhuma “boquinha” achará.

Que céus, que nada!
Que inferno! Eis tudo.
E sua técnica, a de querer
Só com os olhos desejar,
Parou de funcionar,
A ponto de sequer conseguir
Aquela chama apagar,
O fogo do dedo aceso na língua,
Vendo tudo naufragar.



CHICO VIVAS

sábado, 1 de novembro de 2014

MOBILIÁRIO


Teu corpo, almofadas confusas
para minha cabeça negra, olhos antigos,
afunda sob o peso da carne nova
e sobe...como maré que avança.

À sua iminente quebra, nas pedras,
faço-me rocha, duro na queda,
mantenho-me firme, confiante em mim,
mas não descruzo os dedos.

Deixo-me, pedra, coração mole, lavar,
só não me deixo, água, levar;
fico encharcado, e desejo um charco,
mas só me ofereces em lugar da lama,
água benta já tão suja com teus améns:
é isso,
que assim seja!

Um dia farás, confuso,
das tuas almofadas corpos tecidos
com fantasia quadrada
e nelas,
ao custo de um recheio sem doce,
deitarás como minha a tua cabeça,
num contorcionismo sem atrativos
porque se dobre sobre si mesmo
e não se desdobre sobre outro corpo,
porque em vez de mostrares
teu corpo entrando em outra fantasia,
só exibirás almofadas afundadas,
como um baixo-relevo de cabeças
que um dia em teu corpo "pensaram",
pensando que assim curavam-no,
pensando que assim curtiam-no
como couro bem trabalhado
com o qual se não se faz almofadas,
ainda que seja possível,
constroem-se belas fantasias,
mesmo que em contorções costumadas.

Isso tudo sem pesar os prós,
contra todos os contrários
e a favor tão-somente do vento leste
que sai da tua boca em suspiros,
desejando -que água na boca!-
que suspiros não saiam,
entrem-te pela goela adentro,
entretendo tua língua,
que ora vai ao céu
arrancar fragmentos de suspiros,
e ora, que diabos!,
acabou-se o que era doce.

E esses suspiros mordidos
revelam que não têm nada por dentro,
nada a dizer, todos aerados
como se fossem uns cabeças-de-vento;
tão nada que se se os morder,
morde-se neve não gelada,
gélidas claras batidas...
com a mão,
porque eletrodomésticos
podem ser boas batedeiras,
mas fazem tudo muito rápido,
enquanto que com a mão: não!,
mesmo que disso ela saia
como se se despedisse de um trabalho sujo,
embora sem marcas indeléveis,
até mesmo fugazes essas marcas
na lembrança das fantasias.

Então, que se batam as claras,
às claras ou às escondidas,
sem toc-toc na porta,
com suave gostinho de limão,
aroma verde de casca raspada,
como almofadas sem pelos,
como peitos bem recheados,
tanto de doces suspiros
quanto de salgadas águas
que dos olhos se ejetaram
e vieram se intrometer no meio
destes versos sem sabor,
insípidos,
insistentemente cúpidos nas entrelinhas,
ainda que andem tão na linha
que parecem um trem danado de bom
essas almofadas vagas,
esses vagões acolchoados
de um trem-bala
em que não se encontram suspiros,
e nem mesmo bala -que trem esse!

E como nas longas viagens,
mesmo nas que, de relógio, duram pouco,
mas que na memória, infinitas jornadas,
precisa-se em alguma hora,
apoiar-se a cabeça num lugar macio,
tendo almofada à mão,
hei de preferir teu corpo aos meus pés.

E piso.
E teto.
E entre o mais baixo de nós,
que nem precisa ser eu,
e o mais alto de todos
há um recheio de desejos.

Se te piso, sou ex-mago,
já sem poderes de varão,
com varinha alquebrada.
Se te teto, vou às alturas,
desequilibrado,
como criança que se ocupa
em apoiar uma cadeira sobre a outra,
e são muitos esses assentos,
como é única a almofada,
só para alcançar no alto,
ainda que bem abaixo do teto,
um pote de suspiros
(que não alcançará
porque as cadeiras caem,
deixando(-me) com um pote de mágoas).

E então, no chão,
lavo as mãos
para sujá-las de novo
batendo claras calmamente,
sem pressa para fazer neve,
ansioso pela primavera.

Verão!...só não vêem porque não mostro
para fingir que ainda babo por almofadas.



CHICO VIVAS

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

BAIXAS ASPIRAÇÕES




De cima, desejos abaixo,
de baixo, suspeitas acima:
mas suspeitas de quê?

Não! há somente suspeitas
e não alguém a suspeitar
do que está por cima,
nalgum ponto mediano,
que nem precisa estar no meio,
no exato ponto em que
esse desejo partido
encontra-se com subida suspeita.

De cima rola incessante,
qual rocha com o tempo arredondada,
o desejo que do alto olhou
e rumou ao baixo, apressado.

De baixo a suspeita se esforça
para boa altitude ganhar,
elevando-se a quase desejo,
já um desejo de chegar
em cima...

Desejos baixos desejam ascender
e dessas faíscas primordiais
suspeita-se de que logo virá
fogaréu capaz de subir
colinas acima, riachos abaixo.

Sobre altos desejos suspeitas não há.
Há só quando eles,
no mirante dos olhos a queimarem,
debruçam-se vendo abaixo,
sobre si suspeita grassar:
se se mantêm altos como desejos,
é só desejo e fome não é;
se se abaixa, atraído
pelas suspeitas que há,
debruçado, perde o equilíbrio
e lascas de si caem no alto mar,
aumentando suspeitas de baixo,
de baixo desejo.

Não há altas suspeitas
nem baixas há.
Há só a inveja
de um desejo no alto,
acima de si colocado
e que se deixa cair
em fragmentos por ali,
uns pedaços rolados
do que no alto resiste de baixo.

Excluamos a justa medida,
nenhum ponto de encontro,
nenhum aperto de mão,
nada de acordo de cavalheiros:
só um cavalo alado,
que é o desejo do alto,
querendo voar bem baixo,
que é o desejo consumado.

Se riem as suspeitas,
levantando-se a si mesmas,
suspeitas de que acima está.

Ria-se das suspeitas
que só podem suspeitar
do baixo que lhe dão,
enquanto baixo ou alto,
bem melhor é desejar,
mesmo que no alto,
mesmo que sob suspeita,
contanto que uma hora desça.

Pode até ser meio-dia,
ou duas horas já ser,
não é preciso ser meio,
nem é necessário ser dia:
é só deixá-lo descer.

Que venha o desejo do alto,
que role aos olhos suspeitos,
que caia arredondado no chão,
e assim agora bem baixo
possa olhar sua antiga altura.

E se suspeitas tiver,
isso é só o desejo
de lá para cima voltar
e de novamente lançar-me no abismo,
satisfeito desejo.



CHICO VIVAS

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

DIZER NEM POSSO IMAGINAR



Há palavras que, sinceramente, não digo:
E nunca jamais será uma delas.
Mas basta a musa à frente,
Atrás a musa basta estar,
Para a língua tremer,
O pensamento vacilar,
E as palavras todas
Desejarem sair.
Nunca! digo,
Mas de nada isso adianta,
E jamais vai adiantar.
Acabo por dizê-las
E, convicto agora do que digo,
Digo-as sem convicção,
A ponto dos meus maxilares se ressentirem
Com tanta palavra que digo,
Sentindo dor inaudita
Que, apesar do incomum,
Não inaugura inédita dor;
E eles se sentem assim
Por terem de se conformar,
Conformados, à forma
Desse meu estranho dizer.
Não posso parar,
Mesmo se quero,
E com isso quero mesmo dizer
Que não posso,
Por mais que deseje parar,
Por mais que essa musa
Não me inspire confiança.
Creio até que não é ela
Que me solta a língua presa,
É esta mesma que se desenrola,
Que inventa uma musa tesa,
Hierática,
Soberba,
Ora salobra,
O que me parece ser
Mais uma manobra da língua,
Ora língua doce,
E doce ser me parece,
Embora a outro possa parecer
Uma insípida língua torpe.
As palavras reveladas
Escondem mais do que revelam,
E nesse esconder-se,
Nem as musas sei quem são.
Talvez sejam negativos a serem revelados,
Talvez, positivamente,
Não passem de um clichê
Já amarelado,
Seja por ter sido usado tanto,
Passado por tantas mãos,
E isso sem falar das muitas línguas
Pelas quais deve ter passado a musa,
Seja por ter há muito entrado em desuso,
Francamente.
Marginal de mim mesmo,
Sempre à beira dos meus penhascos,
Sem jamais me precipitar,
Apesar da respiração da musa na minha nuca,
Incentivando-me a desabar,
Sou apenas circunstancial em meus acasos,
Definitivo em minhas passagens,
Hesitante na minha firmeza
E firme na minha fraqueza.
E pela fraqueza dos versos passageiros,
Vê-se já quão firme sou.
Circunstancialmente apalavrado,
Eternamente verse já dor.
(mas isso é passageiro!)



CHICO VIVAS


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

BOA NOITE, MÁ DAMA!




Dama da noite, vagabunda,
Ou como quer que chamem
À lua, à prostituta
Que se vende em quaisquer quartos
De lua,
De “lua” que nem toda prostituta pode ser,
Porque os seus fregueses não aturam
Os caprichos de suas fases,
Reservados às damas,
Mesmo que se vendam,
E talvez porque só negociam
Em quartos caros
A “prata” do dia;
Lua que cresce ou diminui
Em troca do troco miúdo
De um poeta torto,
Escapado do tonel do tempo
Em que estava, envelhecendo, fechado,
Ou dos miúdos ainda menores
De um bêbado que não pode esperar
Que o tempo envelheça,
Ponto ideal de todo prazer de beber,
Para ser o que é,
Ou ainda de um adolescente tardio,
E tardio não porque
Ainda pensa em lua,
Mas por, adolescente,
Não se ter arriscado
Em outras inspirações,
Preferindo a segurança
Das do bêbado trôpego,
Das do poeta lacrado
Num túnel sem saída,
Sem ao menos tirar daí,
Já que não pode daí sair,
Uma inspiração mais “concreta”,
Que construa seus versos
Em forma de lua,
Com a vantagem minguante
De, cheia ela,
Fazer versos redondos,
Quando crescente,
Arredonda-los para o minguante,
Quando assim, aguados versos,
Inventar uma poesia nova,
Para a nova fase da lua
Que, concreta,
Desenhará um vazio.
Mas, nada!

E em zonas empobrecidas,
Em quartos minguados,
A troco de prata miúda,
Ainda se julga feliz essa lua,
Se ao seu nome argentino lhe colam
Uma nova palavra tardia.
Para essa lua:
Nua -roupa puída,
Crua –improvável sabor,
Tua -parente falso.

Quando se dá por satisfeita,
Em sua fase mais plena,
Acha-se inteira dona do pedaço,
Como se o céu fosse só céu,
Sozinha na ausência do sol,
E afaga estrela ainda iniciantes
Em experimentar caprichos adolescentes,
A ponto de achar um poeta tonto,
Uma bebida nobremente envelhecida,
Ou de achar um bêbado inspirado
Um poeta concreto.

Se lhe chamam (de) “lune”,
Isso lhe acende uma luz
Que logo se perde na cidade
Já carregada...
De lune,
De luz,
De poetas,
De bêbados,
De estrelas,
De iniciantes,
De prostitutas,
De damas.

Se lhe chamam (de) “moon”,
De um jeito “light”,
“serenade” ao luar,
mas isso não lhe rende, moon,
mão-de-vaca seus miúdos fregueses,
sequer uma serenata.

Podem lhe chamar (de) “luna”.
E pode-se tentar,
E pode-se assim continuar,
Até a língua secar,
Até as línguas secarem,
Até os idiomas morrerem,
Mas tudo isso, isso tudo,
E por demais banal:
“princesa do céu”,
“outro lado do sol”,
“olho que chora sobre o mar”,
“vigilante dos amantes”.
E o amor, logo ele,
De todos o mais comum,
É o que mais falta lhe faz,
Até mais do que os miúdos,
Quando lhe faltam trocados,
Até mais do que os bêbados mudos,
Quando lhe faltam poetas calados,
Até mais do que concretistas redondos,
Quando lhe faltam adolescentes arredios.
E quantos deles já viu passarem
Por sua vida,
Por seu quartinho,
Por sua cama,
Por seu corpo,
Por seu coração
(e olha que a grandeza decrescente
é só uma impressão
que pode virar de cabeça para baixo),
Sem nada deixarem,
Senão uns trocados:
Passos, no caso do bêbado;
Senão uns miúdos:
Versos, no caso do poeta;
Senão uma moeda:
Desenho redondamente vazio,
No caso concreto;
Senão um amor iniciante,
No caso do adolescente,
Mas que já nasce tardio.


CHICO VIVAS

terça-feira, 1 de julho de 2014

DE ALTO A BAIXO


Frágil é só o forte quando se quebra.

Amar é como uma onda forte quando se quebra.
E se é só,
é como um mar inteiro que se quebra,
lançando alto estilhaços de aço
que desenham no ar formas exóticas,
ganham vida e voam como pássaros estranhos.

A saudade é a dor dessa ave
que do alto olha o mar que se quebrou
e por mais desenhos que faça no ar,
não há sombra sua no mar,
porque o mar é frágil,
apesar de toda a onda que tira
de ser devastador,
de deixar saudade.

Mas nem sempre foi assim.
Só assim é agora.
Só é agora porque se quebrou.

Onde os pássaros de estilhaços?
Estilhaços do aço
Que um dia foi mar?

Onde encontrar um pouso,
se sombra jamais hão-de encontrar?

No alto de uma montanha forte,
que não sei como fazer se quebrar,
há uma poça de água cristalina,
água do céu caída,
com a mesma humanidade da chuva,
caída ali sem nunca ter chegado ao mar.

Assim digo, mas bem pode ser
que esse mar, frágil,
um dia tenha chegado lá,
lá no alto da montanha firme e forte,
deixando, como saudade eterna,
uma poça de água,
cristais de saudade
que não seca,
ainda que, tão alta,
mais perto do sol esteja.

Essa poça projeto
uma sombra no sol
e se contenta em ter ido tão alto,
sabendo que mais não irá,
como descer ao nível do mar,
do mar que era forte,
e se quebrou;
que ao se quebrar,
mais frágil ainda ficou;
o mesmo mar que lanço
bem alto seus estilhaços de aço
e que em novas aves se virou.

Cabe mesmo uma poça no mar?
Caberá?
Pode uma poça se apossar do mar,
como crê ter se apossado do sol
só por ali uma sombra de nada deixar?

Amar é como uma poça que é maior que o mar.

Saudade é poça no alto da montanha,
sem nada saber do mar.
mas com a irresistível sensação
de que se de aço o cristal se tornar,
e se depois o cristal se quebrar,
lançando estilhado na poça de aço
e esses pedaços de aço ganharem o ar,
como os pássaros vão voar?


CHICO VIVAS

domingo, 1 de junho de 2014

VIDA DOS SANTOS




Violo a vida com acordes dormidos
e faço soar um soul de versos vazados,
eu tão cheio de furos nos olhos.

São Gritos lancinantes.
São Cry.
São Judas.
São tais as traições,
tradição das almas armadas.

Faço do meu body expiatório
e culpo-o por todos os sais

que vazam dos meus olhos, dos eyes,
e que correm e,
como run,
pulam
e caem.

Caem direto nas feridas abertas
a golpes de caneta: pain!
E lá alagam as tormentas
e sea não alagam, alegam
que São Feridas pretéritas
de martírios já esquecidos,
de espíritos vencidos,
ghost-se ou não se ghost
de escrever com outra mão,
on the other hand,
on the road,
on the rocks,
cowboy,
claudicante,
cal que arde,
cal que queima,
sem chama,
psiu!
sai lenço!
quieto!
como a viola fora de hora,
como os versos fora de si,
como olhos fora de órbita,
como com gritos foram acordados
os ais então dormidos
de pestanas abaixadas,
com a menina dali sonhando,
no meio da íris,
meio com sol, meio com chuva.
Sun Fernando,
Sun Pablo,
Sun Juan,
são ruins
São Bad,
sambado,
a toque de caixa,
viola vazada,
versos violados,
quinteto de quatro,
com o dedo na ferida.
São mão,
são peixes
caídos na rede,
red,
sangue,
São Gui,
São São,
sol e sol,
sun sun,
sea não são traições,
o que São?
São o Quê?

Eye M:
o que soul,
SOS,
o ai te flag
sem não,
tão longe,
far away,
faraday,
friday,
monday,
dei moon,
daimon,
Sócrates,
only.



CHICO VIVAS

quinta-feira, 1 de maio de 2014

ROL



O PÃO
A MALA
A MÃO
E O TRAJE DE GALA
AO LONGO
AO LARGO
A FESTA
O AFAGO
O RISCO
O CHUVISCO
O RABISCO
O ME-ARRISCO
O TANTO
O MAIS
O POUCO
O EFICAZ
O UM
O(S) DOIS
O(S) TRÊS
E UM QUARTO
UM MEIO
DOIS TERÇOS
TRÊS QUARTOS
COM TERRAÇO
O VENTO
A CALMA
OS SENTIDOS
A ALMA
OS OLHOS
O PESCOÇO
O TRONCO
UM CAROÇO
A SEMENTE
O FUTURO
A-PARENTE
DESCE
ESCORREGA
DESLIZA
SE APEGA
DO TRONCO UM TROÇO
TANTO CAMINHO
UM CANSAÇO
ALÉM
DO MAIS
DO MAR
INCAPAZ DE CONTAR
NOS DEDOS
A INCERTEZA
E OS MEDOS
DO TRAÇO
O VENTRE
A RAIZ
A SEMENTE DE NOVO
NOVAMENTE
DA RAIZ
O NÓ
DA TERRA
O PÓ
DO NÓ
DANADO
DO PÓ
ASPIRADO
O ESPIRRO
O ESPAÇO
O ESFORÇO
O CANSAÇO DE NOVO
NOVAMENTE
A ÁRVORE ENFIM...
O CAULE
MAJESTOSO
O FRUTO
OLOROSO
DO OLFATO
INSPIRAÇÃO
NOS OLHOS
DISSIPAÇÃO
NA BOCA
A LÍNGUA
O MUNDO
À MÍNGUA
EU
SOMENTE
CONTENTE
TEMENTE
RENITENTE
INDECENTE
PREPOTENTE
CLEMENTE
FREQUENTE
MENTE
ENTE
TE
E
EM TI
TI
E
MOLAMBO
MORDO
TE
AND
FIM

ESSE

NÃO ANDA
EMBAIXO
PÓS
E ESCRITOS
NA POEIRA
DE NÓS:
MATO
TE
NA
MOITA
MONÓTONA
E MORRO
E
E
   E...


CHICO VIVAS

terça-feira, 1 de abril de 2014

ACARICIADOR



A carícia me doía tanto
Que meu corpo não mudava
Só para não doer quem me acariciava.

Como pode uma ternura desesperar
E não entontecer a cabeça, espantar
Para longe, que os olhos não possam alcançar
Qualquer mais sério pensar
E, ao contrário, concentrar,
A cada toque desse desejo,
Os incômodos de uma tortura
E que é mais ainda torturante
Não pela dor que faz sentir,
Mas por não se viver sem se torturar?

Os afagos que me chegam,
Não me chegam,
E isso é como doendo,
Pedir que doa mais,
Não havendo quem doe:
Eis aí a dor maior.
Ao me chegarem esses afagos,
Ao aportarem em mim,
São como âncoras que desabam
Sobre o fundo do que não sou,
Sobre um abismo que não se vê;
E esse não-solo embaixo d’água
É meu peito enfraquecido
E que mesmo colecionando
Já tantas âncoras enferrujadas,
A cada baque de um barco,
De um pau que vai a pique,
Finca certeiro um peso a mais.
Nessa terra sem peixinhos,
Que tão fundas elas são
Que não têm motivos para decoração;
Tão próximas ao abismo elas estão,
Que vida nenhuma passa por lá.

E o que deveria me agradar de uma mão
E de outra, já são duas,
E de mais mãos ainda -quantas são?-,
De uma multidão de dedos a me buscar,
Só me dói no coração.

E o que me corrói não é a dor,
É só o experimentar como um ardor
Um amargo, um longo travo
Que em outros causa horror,
Fecha-lhes os olhos,
Tira o ritmo de seu respirar.
Dá a sua boca ávida ares de sertão
À espera de uma chuva
Que chega encharcando toda a língua
Que, muda, nada fala,
E se fala, endurece.
Quando livre esse idioma,
Apesar de tanta água rolar,
Só salpica monossílabos.

O que me dói, me tortura,
Me constrange, me afoga,
É só se dor, em intenção,
Me vier, mesmo que de mãos
Que eram mãos das mesmas carícias,
Um beijar não como um beijo,
Um que me castigue como que seja
Um afago
À deriva,
Derivado
De uma alma
Sem correntes,
Sem âncora,
Como um barco,
Como uma vaga,
Solta,
Irrestrita,
Irrequieta,
Barulhenta,
E não de palavras curtas,
Quando a língua se desenrola,
De impropérios,
Neologismos desusados
Que são como do tapa o estampido,
Do chicote a risca certa,
Da opressão a cabeça baixa,
Do sangue a vermelhidão,
Das marcas no pulso, enfim,
Porque é preciso terminar,
As algemas como lembranças
Para um amanhã que vai começar,
Quando mãos afáveis, cuidadosas,
Circundam, em anel, simulando relógio.
E os dedos fechados,
Em meu pulso, como anel,
Como relógio orientado,
Tateiam com cuidado o que crêem
Ser a tatuagem de uma tortura.
E para me recompensarem, tocam-na de leve
E param assim de me acariciar:
Que dor!

Mas a maior de todas
É que não me alegro com escarro na cara
Nem me rejubilo com um abraço:
Que diferença faz?



CHICO VIVAS

sábado, 1 de março de 2014

COR CÉU




Te vejo a passeio, galopando
Num corcel que eu inventei.
Sigo teus passos a pleno tropel.
Vejo-te seguir em disparada, voando.
Também eu inventei essas tuas asas
E fui eu ainda quem penas te deu.
Colei-as, uma a uma,
Em ti,
Passo a passo,
E soprei-as na direção do céu.
Mas não àquele que se esconde nos ares,
Em outro qualquer que em fogo se expande,
Mesmo que vermelho pareça
A própria cor do inferno:
Esse calor também eu inventei.
A essa altura, altura do céu,
Há de se pensar que apenas imaginei-te
E mais a cavalgada que te dei:
Tudo se dirá que é pura invenção,
Que asas não há,
Que costas não-cola,
Que corcel não atropela.
Afinal, que passeio lá fora?
Hão de dizer
Que no ar não soprei
O que no teu ouvido sussurrei,
Que não voei para o fogo
Desse inferno que eu mesmo criei:
É vermelho -e isso me basta!
Inventei-o também.
Criando-me, inventei
Colas que ao cavalo preguei,
Asas que no corcel colei,
Vôos que nunca no céu experimentei,
Rubra cor em que jamais me queimarei.
Se me der, depois,
Depois de tanto que inventei,
Um céu que seja acima
Ou um corcel que sai galopando,
Um inferno que queime ardente
Ou asas que saiam voando,
Nada disso quererei.
Só quero mais uma vez inventar
Uma pena que (me) escreva em cores
E que (me) pinte asas dos meus amores,
Que desenhe num corcel ardores
E lance ao ar meus clamores
(que não passam dos meus gritos calados).



CHICO VIVAS

sábado, 1 de fevereiro de 2014

BZZZZZZ!...



Eu não matei aquele violinista,
Esmagando-o,
Arco incluso,
Com a flecha certeira
Da palma das minhas mãos
Chocando-se entre si
E soando um único clap!
Que as deixa vermelhas,
Sanguíneas
E que as mancha
Com sangue mínimo
De uma vida tão efêmera,
A daquele virtuose irritante
E transfundido
Em concertos azucrinantes,
Do sangue, sabe-se lá
De quantos espectadores
Daquela sonolenta platéia
Que só acorda
Para um clap! fora de hora,
Interrompendo o concerto,
Ou para uma sucessão:
Clap! clap! clap!,
Encerrada a função,
Só percebendo então,
Nesse uso que dá às mãos,
O sangue que nelas há.
Terá sido um crime
Matar o violinista
(ele nem era o primeiro da orquestra):
será?
Ou terá sido um gesto (clap!) humanitário
Livrar o mundo desse um,
Embora, para tantos que há,
Pouca diferença faça,
Que há uma fila desses músicos
À espera de um lugar,
Mas não ao sol,
Por mais talentosos que sejam,
Vibrando seu arco, suas cordas,
Mas principalmente à noite,
Concertados, de propósito,
Com nossa hora de sono,
Dormir que dormimos todos,
Pois é essa a função da noite,
O entreato da vida.

Ah! a noite. Sempre ela!
Se não houver, apesar da fila,
Um substituto a altura
Para o músico assassinado
(eu lavo as minhas mãos...e pronto!),
Pronto para se elevar
À condição de solista,
Cairá sobre nós
Uma paz silenciosa,
Apenas perturbada por um sonho:
Um músico serial-killer
Que aja, ido o sol,
O corpo à cama abandona-se,
Mergulhando nessa profundidade
De lençol superficial.
E ele age matando desconhecidos
Com sua sonata fulminante.

Em seu favor ele mesmo dirá,
Desde que lhe ponham as mãos,
Que não de pode dormir,
Falando então de si,
Com insetos como “aqueles”,
Semimortos pelo sono,
Meio vivos pelos roncos,
Roncando sem harmonia,
Desafinado, sem sintonia
Com o maestro condutor
Deste mundo sem acústica.
E mais dirá:
Dirá que enfiar,
Aqui e ali, carne adentro, sem hesitar,
O arco do seu instrumento
É só a forma de que dispõe
Para lhe(s) aplaudir,
Já que mãos (ele -que inseto!) não tem.


CHICO VIVAS




quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

DADOS INCOMPLETOS PARA UM JOGO SEM FIM






Doei os dados que me machucavam os dedos
E fiquei com a mão livre para a lição de piano,
Já quase apagadas as marcas do azar,
Já tão cicatrizadas as feridas-consortes.

Da cauda do instrumento desconheço o corpo,
Mas toco-o,
E ele vibra.
Dou-lhe corda,
E meu pescoço aperta.
Toco-lhe no que é branco,
E pressiono seu negro profundo,
E o som me faz relembrar
As salas de jogos mergulhadas na penumbra,
O gosto forte de bebidas tomadas,
Tomadas a bocas alheias:
Porque não bebo.

E rolo, sem tê-lo à mão, os dados nos dedos,
Atiro-os à mesa do imaginário salão:
São de marfim esses dados que doo,
Com pontos marcados em marcado negror:
Se lhes toco o branco, é só um cubo dado;
Se lhes tocar no que lhes vai em preto,
É raso
E nem mesmo meu dedo mais curto
Afoga-se nessa lagoa sem monstro.

Mas, e se eu atirar os dados que tenho,
Ou que imagino ter entre os dedos,
Não sobre a mesa de jogo coberta
Com toalha verde marcada por mãos,
E sim direto no corpo despido
Que não revela as mãos que por ali passaram,
O branco será um som que arrancarei
Ou será um sonho cubista que pintarei?
E o preto,
Será dos dados os pontos
Ou serão alguns pontos marcados no corpo,
Sem que se saiba se por mãos,
E por quais,
Se por pianista de salão
Ou por um jogador contumaz
Que mesmo sem tê-los à mão,
Rola eternamente dados nos dedos?

Doeu deixar de jogar.
Já doía me atirar à mesa de jogo,
À cauda do instrumento de corda,
Ao corpo do piano-bar,
Ao que lhe vai em branco, lacuna
E no que lhe pinta de negro, profundo.

Dói ainda a lembrança nos dedos
Dos dados que deixei de jogar,
Talvez como doa a um pianista
Que tivesse doado seu piano de cauda
Para nunca mais tocar,
Mas que ainda hoje, contumaz,
Ao ver um corpo despido,
Toca.

Um corpo despido é um jogo
-Que sorte!-
De azar.



CHICO VIVAS



LinkWithin

Related Posts with Thumbnails

Arquivo do blog