domingo, 1 de maio de 2011

UM POUCO DE JUÍZO AFINAL



Meu peito plano, sem curvas
(ou curva, sem planos),
Não sei como dizer,
É como uma câmara ardente
Que guarda um lado sinistro,
Um coração já morto,
Rodeado por círios candentes
Em sua frieza espectral,
Lançando para o alto
(o que será que querem alcançar?)
Chamas curtas
E que não iluminam como devem
O que jaz sem vida,
E servem só para realçar
Os estranhos contornos da morte certa.

Embalsamado e só,
Sem especiarias em volta
Que recendam a oriental torpor,
Nem com riquezas faraônicas
Que reflitam (n)um metal polido
A luz escura do ambiente;
Também não há alimentos,
Porque esperança já não se tem
De que se ressuscite com fome.

Não há filas de despedida,
E as poucas lágrimas que se “ouvem”,
Soam distantes como se
A carne magra quase em ossos
Isolasse a vida lá de fora,
Sem deixar penetrar naquele dentro
Um ruído que não lhe alteraria a dor.

Quem é, não sei,
Que vigia esse horror
E não deixa a vela terminar
E já põe outra em seu lugar,
Criando essa estranha imagem
De um sol num poço vazio.

Para que luz?
Se rígido e já sem cor,
Dorme sem sonhar
Um coração morto
Que nunca mais há de acordar.
Para que todo esse ardor venerável
A um ídolo desmascarado
Que sucumbiu sem vitórias
E nenhuma mulher de verdade amou?

Pois que o enterrem de uma vez,
Sem louvor, em cova rasa!
Atirem-lhe terra só um pouco
E não lhe marquem com um sinal da cruz!
Que lhe nasçam urtigas,
Urzes, ervas daninhas!
Que pisoteiem esse terreno baldio,
Sem saber o que ele esconde,
Os ágeis pés de crianças jovens
(há as velhas!)
Numa correria vibrante!
(e se fizer noite de repente,
um susto as despertará,
como se assombração presenciassem:
em desabalada correria contarão
ter um fantasma encontrado,
e tremerão com certa alegria
por poderem ter sido testemunhas
dessa cena do outro mundo).

Um dia, mais à frente,
Aprenderão todas as crianças,
Para seu próprio desencanto,
Que existe fogo-fátuo,
Que é combustão espontânea
Dos gases que emanam da terra
Decomposta em sua matéria orgânica.
E já nessa idade em que
Ávidas estarão por amar,
Não quererão acreditar,
Se surgir alguém a lhes narrar,
Que fincado ali estava
Um peito pouco casto,
Tendo ao centro, mais à esquerda,
Um coração completamente morto;
E que as chamas em que pequenos viram
Não é a ciência que explica:
Era só um ou outro círio ardente
Que, curioso, escapou
Da sala fúnebre em mim
E pôs sua chama para fora,
Como um submarino submerso
Tem saudades de fora do mar,
Gostando mesmo é de mergulhar fundo,
E que lança olhos para a terra
E aí encontra um cemitério
De crianças todas mortas
E que morrerem sem amar,
Por mais que tenham tido coração.



CHICO VIVAS

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