sexta-feira, 2 de maio de 2008

PARAÍSO PERDIDO




Deslizo a mão sobre a maçã vermelha
e sinto nos dedos sua face lisa
e sujo as unhas com um azul impossível:
se a comer, de que cor será seu caroço?


Deslizo-me sobre um piano alvinegro
e produzo um som enrugado
que aos meus ouvidos cansados
canta tons pálidos sem cor.


Eis então a maçã -de que cor?-
sobre o piano de "calda"
e certo mel escorre vagaroso,
como as dores açucaradas do meu corpo,
e ao pingar gota a gota,
de cima, desabando sobre as notas,
são como dedos líquidos e sem rugas
tocando, vigorosos, uma música descolorida.


Mas, sei lá por que força
a maçã se move sobre sua própria forma
e rola no azul do infinito piano,
igual a um mundo -de que cor?-,
e não pode mais parar.


Ela desliza sem deixar rastros quaisquer
e dá voltas sobre o piano até cair
nos teclados e música assim produzir.
Não se segura aí, e continua
vivendo seu destino de mundo, essa maçã,
e talvez mais velha que o mundo,
permaneça lisa.


E como estrela no céu que perde o prumo
(é a estrela, não o céu, que perde o prumo)
das notas enfileiradas no piano afinado
e desaba no chão.


Com o peso aumentado com a queda,
como estrela a vir de muito longe,
espatifa-se ali.


Um verme há muito escondido
naquela estrela perdida por aí
mostra-se em meia à carne da maçã
sem saber para onde ir.


Que rugas trará do céu?
Será que o verme consegue subir
de volta ao teclado do piano
e daí subir ainda mais,
de volta à sua estrela azul?




CHICO VIVAS

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