sábado, 10 de maio de 2008

NADA DE LÁGRIMAS


A amante do rei morreu:
Viva a amante do rei!
E correi para avisar,
Rapidamente,
Às outras amantes
Que o rei vivo está,
Que ele não morreu,
Que sequer morria de amores
Pela amante que acaba de morrer.

Errei, talvez, ao dizer:
Que viva!
Que viva a amante do rei,
Já que foi ela que morreu,
E o rei, como se sabe já,
Bem vivo está.

Mais uma amante se vai,
Saindo com toda discrição,
Como convém, se não às amantes,
À amante do rei.
E sai assim, discretamente,
Quem com pompa viveu,
Mesmo não sendo rainha,
Mas, eventualmente,
Sendo mais que o próprio rei.
O fato, porém, é que ele vive,
Vivo está para as outras amantes,
Enquanto que ela, rainha por um dia,
Mesmo que por vários,
Morreu.

Viva Jeanne!
Viva ou morta.
Viva Jeanne-Antoinette,
Nunca, em vida, uma morta-viva,
Mas agora morta.
Viva ela!
Marquesa de Pompadour,
Madame Rococó,
Amiga de Voltaire,
E amante do rei,
Que vivo está
Para ter amantes
A seu bel-prazer.

Ontem, os salões;
Hoje, a tumba:
Será que o esquecimento virá?
Não será isso o tal sono eterno,
Embora digam que dormir bem,
Querendo dizer muito dormir,
À memória faz bem?

Toda tumba é um salão
Em fim de festa.
Velas apagadas, sol eternamente dormente
E que jamais de novo nascerá.

O rei, este vivo está
E há de outra amante tomar:
É “de riguer!"

Mas, e a rainha:
Que é de Maria?

Afinal, há tantas Marias
E bem mais que rainhas;
E houve, escutem, muitas rainhas Marias.

D’Etiole madame,
Etoile Jeanne.
Ah! há tantas amantes!
Algumas são Maria
E até são bem mais que rainhas.

Para a rainha, o olvido
(e que nenhuma me ouça).
Da amante, o estilo.
Em reis, já quinze Luíses:
Du Barry.

Viva!



CHICO VIVAS

sexta-feira, 2 de maio de 2008

PARAÍSO PERDIDO




Deslizo a mão sobre a maçã vermelha
e sinto nos dedos sua face lisa
e sujo as unhas com um azul impossível:
se a comer, de que cor será seu caroço?


Deslizo-me sobre um piano alvinegro
e produzo um som enrugado
que aos meus ouvidos cansados
canta tons pálidos sem cor.


Eis então a maçã -de que cor?-
sobre o piano de "calda"
e certo mel escorre vagaroso,
como as dores açucaradas do meu corpo,
e ao pingar gota a gota,
de cima, desabando sobre as notas,
são como dedos líquidos e sem rugas
tocando, vigorosos, uma música descolorida.


Mas, sei lá por que força
a maçã se move sobre sua própria forma
e rola no azul do infinito piano,
igual a um mundo -de que cor?-,
e não pode mais parar.


Ela desliza sem deixar rastros quaisquer
e dá voltas sobre o piano até cair
nos teclados e música assim produzir.
Não se segura aí, e continua
vivendo seu destino de mundo, essa maçã,
e talvez mais velha que o mundo,
permaneça lisa.


E como estrela no céu que perde o prumo
(é a estrela, não o céu, que perde o prumo)
das notas enfileiradas no piano afinado
e desaba no chão.


Com o peso aumentado com a queda,
como estrela a vir de muito longe,
espatifa-se ali.


Um verme há muito escondido
naquela estrela perdida por aí
mostra-se em meia à carne da maçã
sem saber para onde ir.


Que rugas trará do céu?
Será que o verme consegue subir
de volta ao teclado do piano
e daí subir ainda mais,
de volta à sua estrela azul?




CHICO VIVAS

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